Xavier Colás, correspondente do jornal El Mundo e colaborador de outros meios de comunicação social espanhóis, não viu renovado o visto para viver na Rússia e teve de deixar o país na semana passada, em apenas 24 horas, após 12 anos a trabalhar em Moscovo.
Nos últimos dois anos, após a invasão da Ucrânia, a renovação dos vistos dos jornalistas de países “não amistosos” que trabalham como correspondentes na Rússia tornou-se mais difícil: a validade do visto passou de um ano para três meses e o processo burocrático é mais complicado.
Segundo Xavier Colás, correspondentes estrangeiros, como ele próprio, já previam “um endurecimento das condições para toda a gente” após as eleições russas de meados de março.
“A partir de agora, [o Presidente russo] Vladimir Putin tem seis anos sem eleições importantes e o regime compreendeu que o principal perigo é, precisamente, a população. Já desde antes de começar a guerra, mas com a guerra isto viu-se de forma ainda mais clara”, disse Xavier Colás, em entrevista à agência Lusa esta semana, quando regressou a Madrid.
Segundo o jornalista, “foi com o início da invasão de grande escala da Ucrânia, em 2022, que realmente passou a haver uma repressão muitíssimo mais aberta”, “cresceu exponencialmente em relação a anos anteriores, proibiram-se todos os meios de comunicação independentes e persegue-se a liberdade individual dos russos”.
Xavier Colás contou que “antes perseguia-se a liberdade política de uma minoria”, mas agora “a totalidade dos russos estão, de uma maneira ou outra, sob pressão” porque “podem ser perseguidos por uma publicação no Facebook ou por dizer qualquer coisa”.
“Antes, se não eras uma pessoa relevante, não iam atrás de ti. E se iam, faziam-no de uma forma mais indireta. Agora, é diretamente uma censura pura e dura, às claras”, afirmou.
“A prioridade do regime é o seu prolongamento até ao infinito, ou seja, até ao limite biológico das pessoas que representam esse regime”, e não se podia, por isso, esperar “uma abertura” após as eleições, “mas o contrário, porque o regime tem cada vez mais desconfiança”, defendeu.
O jornalista realçou que aquilo que está a acontecer e deverá continuar a acontecer com correspondentes de meios de comunicação social estrangeiros é, apesar de tudo, “o menos significativo”, porque os danos são “fundamentalmente para os russos e os ucranianos”.
“As ditaduras sabem que qualquer coisa as pode matar e que será sempre algo novo. Por isso estão tão atentas a qualquer coisa nova que apareça, por pequena que seja. Daí morrerem dissidentes que não eram suficientemente conhecidos na Rússia, que não tinham grande estrutura. E por isso são perseguidos meios de comunicação pequenos e com problemas de financiamento”, afirmou.
A chegada de Xavier Colás a Moscovo, em 2012, coincidiu com o regresso de Vladimir Putin ao Kremlin, como Presidente.
Nesse ano, “já houve um agravamento da situação”, disse o jornalista, que referiu a aprovação de leis penalizadoras para os homossexuais, “mais pressão sobre os meios de comunicação e uma radicalização dos meios de comunicação oficiais” ou uma “mão mais pesada em relação à nova dissidência que tinha surgido”.
Foi nesta altura que, por exemplo, o opositor ao regime Alexei Navalny “se tornou conhecido”. E foi também aqui, logo entre 2012 e 2013, que “surgiu a viragem ultraconservadora do Governo para a igreja, os valores tradicionais, etc..”
Xavier Colás aponta depois outra data fundamental, o ano de 2014 e a invasão da península ucraniana da Crimeia, “quando houve uma separação entre a realidade e a ficção política em que está submersa agora a Rússia”.
“Para a Rússia, a invasão da Ucrânia era completamente legal e, além disso, sagrada. Não se podia discordar em relação a isso. Para os correspondentes estrangeiros, era ilegal, mas, ao mesmo tempo, não era suficientemente importante”, afirmou Xavier Colás, lembrando que “depois de 2014 houve uma normalização do que tinha acontecido”.
“A Rússia estava sob sanções, mas todos os países, de alguma maneira, conviviam com essa ilegalidade e também não houve apoio à Ucrânia. Mas já em 2014 começámos a notar que aqueles que dizíamos que a Crimeia era ilegal ou que a guerra no Donbass [leste ucraniano] estava espoliada pela Rússia e havia ali forças russas a lutar, estávamos um pouco fora da sociedade”, prosseguiu.
Apesar disso, nas palavras do jornalista espanhol, seguiram-se “uns anos bons” porque “o país era muito interessante e os correspondentes estrangeiros podiam trabalhar bastante bem”.
“Mas a partir de 2018, já com a anterior vitória de Putin nas votações daquele ano, começaram a usar-se ferramentas que até então se usavam menos”, recordou Xavier Colás, mencionando, por exemplo, a denominação ou acusação de “agente estrangeiro contra qualquer pessoa”, sinónimo de “traidora”, colocando-a sob controlo absoluto e sujeita a limitações que “lhe arruinavam a vida”.
“E foi-se assim instalando mais medo”, até que a guerra na Ucrânia fez crescer exponencialmente a repressão, generalizando-a, havendo hoje “muitíssimo temor na sociedade russa”, acrescentou o jornalista.
Xavier Colás publicou em fevereiro, em Espanha, com a editora La Esfera de los Libros, o livro “Putinistão. Um país alucinante nas mãos de um presidente alucinado” (tradução livre do título original em castelhano).
Segundo o jornal para que trabalha, o El Mundo, e a plataforma do Conselho da Europa para a segurança dos jornalistas, a polícia deslocou-se há meses à casa de Moscovo em que vivia para lhe dizer para deixar de fazer cobertura dos protestos das viúvas dos soldados russos.
Xavier Colás contou à Lusa que a renovação do visto lhe foi negada com a explicação de que dias antes das eleições o seu nome tinha entrado numa base de dados em que estão as pessoas que não podem entrar na Rússia, sem mais informações.
Disseram-lhe que, por isso, tinha de deixar o país antes de caducar o visto que ainda estava em vigor, ou seja, nas 24 horas seguintes. Saiu da Rússia no dia 20 de março com duas malas e uma mochila, aquilo que conseguiu transportar dos 12 anos de vida em Moscovo.
Sobre o seu caso, disse à Lusa esta semana que “todos os correspondentes sabem que isto pode acontecer”, antes de acrescentar: “Quando és correspondente num país estrangeiro estás ali como convidado e a qualquer momento pode caducar o convite. Mas és um convidado que não pode deixar-se humilhar nem subornar para baixar o tom ou dizer as coisas de forma diferente daquela que são”.
Lusa