“Se havia algum partido que devia estar ao lado do aumento das penas para crimes de abusos sexuais devia ser o PS, até pelo seu passado, que envergonha toda esta casa e que muitos tentam ocultar. Os que hoje enchem a boca com os abusos sexuais na igreja são os mesmos que tentaram ocultar o caso Casa Pia e que ainda hoje escondem a cara e escorregam nas cadeiras quando se fala nesse assunto”, disse Pedro Pinto, líder parlamentar do Chega, no debate parlamentar sobre propostas relativas a abusos sexuais de menores.
A referência surgiu no encerramento do debate, logo depois de críticas ao provável chumbo socialista às propostas da extrema-direita (que se confirmou), tendo Pedro Pinto afirmado que as “linhas vermelhas” que o PS estava a traçar eram para com os menores vítimas de abusos, não para com o Chega.
Em resposta, num pedido de defesa da honra da bancada socialista, o líder do grupo parlamentar, Eurico Brilhante Dias acusou o Chega de “não ter limites” e defendeu que instituições que não foram sequer acusadas no processo “têm o direito a manter e a ter o seu bom nome preservado”.
“Qualquer associação de qualquer crime desta natureza ao PS, só por si, é insultuoso. É um insulto gratuito a uma instituição que vai fazer 50 anos este ano e que esteve sempre ao lado da democracia, da liberdade, dos direitos liberdades e garantias e que nunca, nunca, deixou para trás nenhum cidadão”, disse o líder parlamentar do PS, que defendeu o partido como um “pilar do regime democrático e não pode ficar em nenhuma circunstância associado a uma infâmia como esta”.
Eurico Brilhante Dias acrescentou que as alusões ao caso Casa Pia “são alusões que vêm hoje a terreiro porque a extrema-direita parlamentar não tem nunca nem propostas nem soluções”, acusando o Chega de ter “apenas na ponta da espingarda o insulto infame”.
“Se era preciso uma prova de como na politica há diferenças entre democratas e não democratas, hoje ficou bem patente depois desta última intervenção”, disse em resposta ao encerramento de Pedro Pinto, mas já depois de André Ventura, líder do partido, ter também feito referência ao processo na abertura da sessão.
O debate ficou marcado por algumas trocas acesas de ideias, tendo a intervenção de Fernando Negrão, pelo PSD, levado André Ventura a apelar a uma posição clara dos sociais-democratas sobre o voto da proposta relativo ao aumento do prazo de prescrição para crimes de abuso sexual de menores, evocando declarações do líder do PSD, Luís Montenegro.
Se Ventura insistiu que Montenegro tinha defendido o aumento do prazo de prescrição, Negrão disse que o que o líder do PSD pediu foi uma reflexão sobre a matéria, tendo André Ventura questionado quantos Luís Montenegro existem.
Depois de afirmar que se o PSD “não votar a favor [do aumento dos prazos de prescrição], mais vale dizer a Luís Montenegro para arrumar as coisas e ir embora”, o diálogo de Ventura com os sociais-democratas passou a ter como interlocutor o líder parlamentar Joaquim Miranda Sarmento, que acusou Ventura de ter “uma fixação” com Montenegro.
Ainda no campo das múltiplas personalidades, o PS viria a fazer uma distinção entre o “deputado André Ventura” e o “professor André Ventura”, citando textos de Direito do deputado e líder do Chega para demonstrar que a teoria penal de Ventura não corresponde à prática patente nas propostas apresentadas pelo partido, nomeadamente a castração química de pedófilos, tendo a deputada socialista Cláudia Santos citado a oposição do “professor André Ventura” à ideia, que em livro defendeu “o princípio da humanidade das penas”.
“Acompanhamos a opinião do senhor professor, que gostaríamos de encontrar mais vezes neste plenário”, disse a deputada, que acusou Ventura de dizer algo que Cláudia Santos “nunca pensou ouvir”: o enquadramento da castração química no princípio da dignidade da pessoa humana.
O debate, que teve sempre como pano de fundo o relatório da comissão independente que estudou os abusos de menores na igreja católica, mostrou ainda, segundo André Ventura, uma divisão entre uma esquerda centrada em apontar culpas à igreja, sem reconhecer que os abusos são transversais à sociedade, e o Chega, que quis marcar posição como o partido que defende a iniciativa parlamentar e legislativa como solução para atacar o problema.
À esquerda houve ainda do lado do PCP, por Alma Rivera, do BE, por Pedro Filipe Soares, e do PS, Isabel Moreira, a defesa da aposta na educação sexual nas escolas, tendo o Chega respondido com as recorrentes críticas de “ideologia de género”.
Comum a vários grupos parlamentares foram também as críticas de aproveitamento político feitas ao Chega, com João Cotrim de Figueiredo, da Iniciativa Liberal, a acusar a extrema-direita de “hipocrisia óbvia” e de querer fazer política com “conversa de café”: “Os senhores estão no vosso direito de fazer política assim, não esperem é que mais ninguém vos acompanhe”.
Lusa