O governante tem dito que desconhecia a derrapagem de mais de dois milhões de euros, mas, segundo o jornal, que cita um ofício de março de 2020, com as obras já a decorrer, o diretor-geral de Recursos de Defesa Nacional (DGRDN) — hoje arguido por corrupção e branqueamento na Operação Tempestade Perfeita —, informou o ministro sobre “trabalhos adicionais” que já somavam quase um milhão de euros extra.
“Ou seja, nesse documento já era explícito que a obra mais do que duplicara de valor”, escreve o Expresso, que acrescenta que João Gomes Cravinho “tem sido definitivo em negar que conhecia a derrapagem de mais de 2 milhões de euros, recusando que tivesse autorizado uma despesa cujo limite era de 750 mil euros e que acabou por chegar aos 3,2 milhões de euros”.
Quando foi ao Parlamento para um debate de urgência no dia 20 de dezembro — na sequência da operação judicial que constituiu arguidos por corrupção três altos funcionários da DGRDN —, o ministro "foi muito claro", escreve o jornal, sublinhando: “disse que ‘não’ autorizou nem lhe foi solicitado ‘que autorizasse’ a despesa que resultou na mais do que triplicação do valor orçamentado para transformar o antigo hospital num Centro de Apoio Militar para doentes ligeiros com covid-19”.
Contudo, acrescenta o jornal, Cravinho – que vai em breve à Comissão Parlamentar de Defesa, chamado pelo PSD sobre este tema – “tinha informação sobre o começo da derrapagem quando as obras ainda estavam no início”.
De acordo com o Expresso, o ofício com essa contabilidade foi enviado pela DGRDN para o gabinete do ministro da Defesa, com conhecimento ao secretário de Estado da Defesa, Jorge Seguro Sanches, apresentando ‘a situação da execução dos trabalhos’ em três pontos”.
“No primeiro, o DGRDN assumia que o orçamento ‘original dos trabalhos’ era de ‘750 mil euros’. Num segundo ponto, descrevia os ‘trabalhos extra solicitados pelo Exército’, que integrava a equipa de gestão do projeto: rede elétrica, reabilitação da climatização, substituição de caldeiras por um sistema a gás, reabilitação dos elevadores e instalação de um sistema automático de deteção de incêndios (obrigatório por lei), entre outras obras explica o jornal.
O Expresso diz ainda que “o documento explicitava que estes trabalhos tinham um orçamento extraordinário de 420 mil euros e informava que a DGRDN ‘deu início à execução’”.
Um terceiro ponto deste ofício referia a “visita do diretor” clínico do futuro centro, o major-general Carlos Lopes, que considerou serem “necessários” mais “trabalhos adicionais”: limpeza de telhados e condutas, salas de trabalho e salas de descanso para médicos e enfermeiros, uma farmácia hospitalar, armazém para material médico e de escritório, recuperação da morgue e dois ascensores para a alimentação, adianta.
Neste caso, as propostas não excediam os 500 mil euros. Ou seja, seriam 920 mil euros a mais do que os 750 mil iniciais, quase 1,7 milhões de euros no total da obra, mais IVA.
O jornal refere igualmente que o documento, da autoria de Alberto Coelho, “tinha a assinatura digital do subdiretor-geral, major-general Côrte-Real Andrade”.
Questionado pelo Expresso sobre este documento, o gabinete do agora ministro dos Negócios Estrangeiros remeteu para uma resposta dada ao Diário de Notícias em março de 2021, que noticiava a existência deste memorando.
Na altura, o então ministro da Defesa respondeu que “todos os documentos relevantes respeitantes a este processo constam do processo de auditoria mandado instaurar pelo MDN, desenvolvido pela Inspeção-Geral da Defesa Nacional (IGDN) e entregue no Tribunal de Contas, na sequência do despacho do ministro da Defesa”.
Sem negar a existência do documento, Cravinho sublinhou “que não foram autorizados nem tão-pouco propostos ao Governo trabalhos extra do Exército com um valor de 920 mil euros”.
O Expresso escreve ainda que, quatro meses depois do ofício da DGRDN, no dia 23 de julho de 2020, o secretário de Estado Jorge Seguro Sanches fez um despacho que o ministro Cravinho assinaria “com elevada preocupação”: identificava as ilegalidades nos ajustes diretos e na realização de despesas por parte de Alberto Coelho sem autorização superior, o que daria origem à auditoria da IGDN e depois à operação judicial Tempestade Perfeita.
Lusa