"Só com obras, isto é, com resultados efetivos na vida das pessoas vale a pena recordar as datas históricas das suas primeiras promessas. E hoje vale muito a pena recordar – porque algum passado se pode repetir –, celebrar e louvar a promessa de liberdade da Revolução de 24 de Agosto de 1820", afirmou.
O chefe de Estado falava na Sala do Senado da Assembleia da República, na sessão solene de abertura do Congresso Internacional do Bicentenário da Revolução de 1820.
"Recordar hoje 1820 e a sua revolução é explicar o que ela representou de rutura essencial na História de Portugal. É explicar também o que foram as vicissitudes vividas entre 1820 e 1974. É, ao fim e ao cabo, e isto é o mais importante para o presente, fazer entrar na memória e na consciência dos portugueses o que esmagadoramente ignoravam ou ignoram", considerou.
Em seguida, a propósito deste acontecimento histórico, o chefe de Estado defendeu que é preciso "não dar nunca como conquistadas a democracia e a liberdade, não dar nunca como garantido o que precisa de ser construído todos os dias, em palavras e em obras".
"Em obras, demonstrando que em liberdade e em democracia os direitos são mesmo direitos e não promessas, o controlo dos poderes os controla mesmo, e não há privilegiados que tudo ou quase tudo tenham e explorados que nada ou quase nada possuam", acrescentou.
Na sua intervenção, o Presidente da República enquadrou a Revolução Liberal de 1820 como uma "rutura decisiva" na ordem político-constitucional portuguesa, mas em relação à qual existe "algum descaso, para não dizer quase apagamento na visão de muitos, talvez a maioria" dos cidadãos.
Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, isso talvez se explique pelo caminho "longuíssimo e cheio de adversidades" que se seguiu até ao 25 de Abril de 1974.
"Tudo medido, temos escassos anos de liberalismo mais avançado, mais ambicioso e mais transformador. Umas cerca de sete décadas de tensão constante entre esse liberalismo e o regime dominante, moderador ou limitador dos seus propósitos – seis em monarquia e pouco mais de uma em República. Uma meia dúzia de anos de guerra civil, meio século de ditaduras", referiu, observando: "Uma saga para a liberdade e para as liberdades".
De acordo com o chefe de Estado, em todo este percurso uma parte considerável do país "nunca aderiu na fundamentação ao sentido político-constitucional, para não dizer também económico-social" da Revolução Liberal.
"Era o mesmo país, com expressões jurídico-constitucionais diferentes, mas sempre antiliberal, antiparlamentar, antipartidário e antidemocrático, na qualificação do próprio António de Oliveira Salazar", disse.
Marcelo Rebelo de Sousa realçou que em 1820 Portugal "era uma sociedade maioritariamente rural, e esse país rural, e com ele a Igreja Católica e, claro, os influentes locais, eram absolutistas e antiliberais".
Esse "país rural", prosseguiu o Presidente da República, "depois viveria como que na clandestinidade, no sentido de marginal ao constitucionalismo vigente, mas longe, muito longe de se encontrar morto: reviveria no apoio ao franquismo, ao sidonismo e ao salazarismo".
O chefe de Estado mencionou que, "mesmo nos anos 20 ou 30 a 60 do século passado, os monárquicos ativos e militantes mais depressa eram legitimistas ou integralistas do que liberais".
O Presidente da República concluiu que "em rigor, para a generalidade dos portugueses, a liberdade apareceu irmanada com a democracia em 1974", no culminar de "uma saga" com "intermitências ou vivências circunscritas para minorias urbanas letradas ou económica e socialmente mais avançadas".
"Para o Portugal contemporâneo pós-74 a memória pela liberdade começou na luta do 25 de Abril e concretizou-se com o 25 de Abril. Para alguns, pouco numerosos e menos jovens, mas com uma memória que importa não minimizar, no 05 de outubro. De facto, não na Revolução de 1820", reforçou.