Numa nota publicada no ‘site’ da Presidência da República com o título “É tempo de assumirmos Wiriyamu”, Marcelo Rebelo de Sousa salienta que “passaram hoje cinquenta anos sobre o massacre de Wiriyamu”, que decorreu naquela aldeia do norte de Moçambique em 16 de dezembro de 1972.
O chefe de Estado recorda que, naquela altura, “findava o ano de 1972, ano determinante para a queda da ditadura”, após ter ficado patente, em 1971, o “bloqueamento institucional do regime com a frustrada revisão da Constituição de 1933”.
“Em 1972, a manutenção da Chefia do Estado, a aceleração da rotura da Ala Liberal, o crescendo dos movimentos de Oposição Democrática, estudantis, económicos e sociais, vários deles já de ação armada, e o distanciamento de setores católicos – culminando na vigília da Capela do Rato – aceleravam esse período terminal”, lembra o chefe de Estado.
No que se refere à guerra colonial em África, o chefe de Estado lembra que “o agravamento da situação na Guiné-Bissau, que não pararia com o assassinato de Amílcar Cabral, e em Moçambique anunciavam os dias do fim”.
Nesse contexto, Marcelo Rebelo de Sousa defende que “Wiriyamu foi um sinal do desespero nesses dias do fim”, no “modo como abalou toda a clássica argumentação da posição oficial do poder de Lisboa, bem como a alegada legitimação do regime e da situação colonial”.
“A afrontosa violação dos direitos humanos, a escala em que se processou e a frustrada tentativa de a ocultar – com o qual lidamos, os que, na imprensa censurada, recordamos esses tempos – deixaram sem chão o Poder de Lisboa, atingiram os responsáveis militares em Moçambique, alertaram ainda mais militares combatentes e criaram um foco decisivo para o cada vez mais próximo Movimento dos Capitães”, lê-se na nota.
O Presidente da República defende que “interna e externamente, Wiriyamu em si mesmo e no conhecimento posterior dos seus contornos – foi um golpe mortal para a ditadura e para a sua política africana e uma afronta intolerável” para as Forças Armadas portuguesas e para Portugal.
“É tempo de assumirmos em plenitude o que foi a inaceitável e terrível obra de alguns, mas acabou por responsabilizar, como um todo, Portugal”, conclui a nota.
Numa visita a Moçambique em setembro deste ano, o primeiro-ministro, António Costa, pediu desculpa pelo massacre de Wiriamu, que classificou como um “ato indesculpável que desonra” a história de Portugal.
“Neste ano de 2022, quase decorridos 50 anos sobre este terrível dia de 16 de dezembro de 1972, não posso deixar aqui de evocar e de me curvar perante a memória das vítimas do massacre de Wiriamu, ato indesculpável que desonra a nossa história”, tinha afirmado o primeiro-ministro na ocasião.
Num jantar em Maputo, oferecido pelo Presidente da República de Moçambique, Filipe Nyusi, Costa apontou que “uma relação tão intensa e com tal longevidade” como a dos dois países, “está inevitavelmente marcada pela diversidade, da diversidade dos encontros e dos desencontros, da escravatura e da libertação, do progresso e da pobreza, da guerra e da paz, por momentos que queremos seguramente recordar mas também por momentos e acontecimentos que temos o dever de nunca por nunca esquecer".
"As relações entre amigos são feitas assim, são feitas da gentileza de quem é vítima e faz por não recordar, mas também por quem tem o dever de nunca deixar esquecer aquilo que praticou e perante a história se deve penitenciar", assinalou.
O primeiro-ministro considerou que isso deve ser feito porque Portugal soube reinventar a sua história com o derrube da ditadura, "que abriu as portas à paz para que a conquistada independência de Moçambique definitivamente tenha consagrado as nossas relações como relações de amizade entre países soberanos, livres e iguais".
Hoje, o presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, também assinalou os 50 anos do massacre de Wiriamu, afirmando que importa pedir perdão pelas cerca de 400 vítimas civis.
“Hoje passam 50 anos sobre o massacre de Wiriamu e esse facto deve ser recordado. É um facto que nos envergonha, mas não deve ser esquecido”, salientou Santos Silva.
O presidente do parlamento considerou que “hoje é dia de recordar o massacre, de pedir perdão às suas vítimas e de homenagear aqueles, como o padre [Adrian] Hastings, que denunciaram, e também de homenagear os capitães de Abril”.
A 16 de dezembro de 1972, em Wiriyamu (Moçambique), cerca de 400 civis desarmados foram mortos por militares portugueses.
Lusa