Em causa está o relatório final da comissão especial do Parlamento Europeu sobre a ingerência estrangeira em processos democráticos na UE, incluindo a desinformação, documento no qual estes eurodeputados admitem estar “profundamente preocupados com a crescente incidência e a natureza cada vez mais sofisticada das tentativas de interferência estrangeira e de manipulação de informação, conduzidas esmagadoramente pela Rússia e pela China e visando todas as partes do funcionamento democrático da União Europeia e dos seus Estados-membros”.
O documento, que deverá ser debatido na sessão plenária da assembleia europeia da próxima semana e que tem em conta o contexto ainda antes da escalada de tensões geopolíticas na Ucrânia devido à ofensiva da Rússia nos últimos dias, também “condena veementemente os esforços do Kremlin [Presidência russa] para instrumentalizar as minorias nos Estados-membros da UE, implementando designadas políticas compatriotas, particularmente nos Estados Bálticos e nos países vizinhos de Leste, como parte da estratégia geopolítica do regime de Putin”.
Para os eurodeputados, este tipo de ações de Moscovo visam “dividir as sociedades na UE, a par da implementação do conceito de ‘mundo russo’, com o objetivo de justificar as ações expansionistas do regime”.
Até porque, lembra a comissão parlamentar, “muitas fundações privadas, empresas privadas, organizações dos meios de comunicação social e organizações russas ou são estatais ou têm laços ocultos com o Estado russo”.
Os eurodeputados consideram, por isso, ser “da maior importância, ao encetar um diálogo com a sociedade civil russa, diferenciar entre as organizações que se mantêm afastadas da influência governamental russa e as que têm ligações com o Kremlin”, salientando existirem “provas de interferência e manipulação russa em muitas outras democracias liberais ocidentais”.
Ao mesmo tempo, a comissão parlamentar pede à Comissão Europeia para avançar com uma “estratégia multicamadas” e “recursos financeiros adequados para equipar a UE e os seus Estados-membros com políticas de previsão e resiliência e instrumentos de dissuasão adequados, permitindo-lhes enfrentar todas as ameaças e ataques híbridos orquestrados por atores estatais e não estatais estrangeiros”.
Esta comissão especial do Parlamento Europeu foi criada em junho de 2020 e, desde essa altura, os parlamentares indicam terem vindo a testemunhar “campanhas de desinformação em nova escala relacionadas com covid-19 até aos ciberataques contra entidades das autoridades públicas”, como recentemente aconteceu em Portugal, embora também assinalem existir maior sensibilização.
O relatório surge numa altura de confronto armado na Ucrânia e em que aumenta a propaganda russa contra o ocidente.
Na madrugada de 24 de fevereiro, a Rússia lançou uma ofensiva militar com três frentes na Ucrânia, com forças terrestres e bombardeamentos em várias cidades. As autoridades de Kiev contabilizaram, até ao momento, mais de 2.000 civis mortos, incluindo crianças, e, segundo a ONU, os ataques já provocaram mais de 100 mil deslocados e pelo menos 836 mil refugiados na Polónia, Hungria, Moldova e Roménia.
O Presidente russo, Vladimir Putin, justificou a “operação militar especial” na Ucrânia com a necessidade de desmilitarizar o país vizinho, afirmando ser a única maneira de a Rússia se defender e garantindo que a ofensiva durará o tempo necessário.
O ataque foi condenado pela generalidade da comunidade internacional, e a União Europeia e os Estados Unidos, entre outros, responderam com o envio de armas e munições para a Ucrânia e o reforço de sanções económicas para isolar ainda mais Moscovo.