No final do debate instrutório, a juíza de instrução criminal Susana Mão de Ferro marcou para as 14:00 a leitura da decisão instrutória do processo movido pela autarquia do Funchal a Gil Canha por declarações proferidas por este na Assembleia Legislativa da Madeira, a 04 de janeiro de 2017, durante a discussão de um decreto sobre o regime jurídico de utilização de donativos em casos de acidentes graves e catástrofes que ocorram na região.
Nessa sessão legislativa, o deputado criticou a forma como o executivo municipal "canalizava o dinheiro que devia ir para o auxílio às populações para o Diário de Notícias [da Madeira] que estava a receber milhares de euros para lançar o candidato Paulo Cafôfo (da coligação Confiança: (PS/BE/JPP/PDR/Nós,Cidadãos!)", pode ler-se no processo a que a Lusa teve acesso.
Na ocasião, o deputado independente disse ainda que "o grosso vai para o Diário de Notícias [da Madeira]", opinando que este matutino regional estava “a receber milhares de euros (…) para lançar o seu candidato Paulo Cafôfo".
O município do Funchal apresentou a queixa-crime, mas o Ministério Público acabou por "ordenar o arquivamento", alegando que "o denunciado era deputado na Assembleia Regional e foi no uso da palavra no hemiciclo que foram proferidas as expressões em análise".
A Câmara do Funchal não se conformou com a decisão e requereu a abertura de instrução, invocando que estas declarações são "inverídicas".
Na argumentação, salientou que o denunciado, Gil Canha, "sabe que não é possível canalizar este dinheiro para outro fim que não o apoio às vítimas dos incêndios" e que "não se coibiu de imputar a toda a estrutura do município do Funchal a participação em factos que são completamente falsos".
Hoje, em sede do debate instrutório, a procuradora da República, Isabel Dias, reiterou a decisão do Ministério Público, argumentando que lhe parecia "ilegítimo" que o poder judicial pudesse escrutinar a atividade parlamentar, criticando que "se seja tão suscetível" por declarações produzidas num local de debate político.
Salientando que os cidadãos devem "poder escrutinar o exercício da administração", nomeadamente no parlamento, concluindo que as declarações do deputado "não caíam em difamação".
O advogado da Câmara Municipal do Funchal, Rui Bettencourt, contra-argumentou afirmando que o deputado não pode, ao abrigo das suas funções, "fazer imputações que extravasam aquilo que está a ser discutido".
"A abertura de instrução visa demonstrar que o dinheiro foi aplicado corretamente para os fins que foram criados e permitir ao Tribunal traçar as fronteiras do que pode ou não ser feito [na discussão parlamentar]", afirmou.
Baltasar Aguiar, advogado de Gil Canha, disse, por seu lado, que o processo movido pela autarquia estava "cambado" e que "mau seria" que magistrados e deputados, no uso das suas funções, "tivessem que pensar cada palavra que dissessem", acusando a Câmara de querer transformar os parlamentares "em funcionários públicos" e "em burocratas".
Ao referir-se à aplicação dos dinheiros públicos, Baltasar Gonçalves, exemplificando, exibiu o Diário de Notícias da Madeira de hoje, apresentando um suplemento comercial de quatro páginas sobre o Parque Ecológico do Funchal, comentando que a Câmara "usa a pessoa coletiva para publicar publicidade institucional".
"Indigna-me que o assunto não tivesse sido discutido no parlamento, que o nosso dinheiro esteja a ser espatifado", finalizou.
LUSA