Num debate televisivo organização pela ONU News sobre os 50 anos da Revolução dos Cravos, e com a presença dos embaixadores permanentes na ONU de Angola, Brasil, Cabo Verde, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, António Guterres advogou que “não teria havido 25 de abril sem o que foi a luta dos movimentos de libertação africanos”.
“Em primeiro lugar, creio que é necessário fazer justiça e estou muito satisfeito por estar aqui com os representantes dos países de língua portuguesa e, em particular, dos países africanos, porque há muitas vezes esta ideia de que o 25 de Abril foi uma revolução portuguesa e que na sequência dessa revolução portuguesa, que criou ou recriou a democracia em Portugal, foi possível a descolonização”, disse.
“A verdade é que não teria havido 25 de abril sem o que foi a luta dos movimentos de libertação africanos” reforçou o ex-primeiro-ministro português, na sede da ONU, em Nova Iorque, insistindo que há uma ligação muito direta entre a luta pela democracia em Portugal que leva ao 25 de Abril, e a luta dos momentos de libertação africanos que levam à sua independência.
O líder das Nações Unidas rejeitou que esteja em causa uma relação de causa e efeito, mas sim “uma interpenetração profunda” do processo que decorreu em Portugal na luta contra a ditadura e do processo que decorreu nos países de africanos – na altura colónias portuguesas – dos movimentos de libertação contra o colonialismo português.
Realçando o “profundo sentido de libertação” vivenciado no dia 25 de Abril de 1974, António Guterres traçou um paralelo com a atualidade, frisando que as pessoas que hoje vivem em Portugal não sabem o que é viver num país sem liberdade.
No Portugal pré-revolução, recordou Guterres, não havia liberdade de organização, nem de sindicatos, nem de associações, não havia liberdade de expressão, havia censura, a expressão artística era condicionada e havia uma forte repressão a todos aqueles que ousavam criticar a ditadura.
O nível de repressão era ainda “muitíssimo mais violento” nas colónias portuguesa do que em Portugal, afirmou.
“Não damos valor ao que foi o extraordinário combate dos movimentos de libertação africanos e a extraordinária coragem daqueles que em Portugal – primeiro os militares e depois o povo que se juntou maciçamente nas ruas -, nos libertaram da ditadura e nos libertaram da opressão colonial”, em parte “porque as novas gerações não tiveram essa experiência do que é viver num regime ditatorial e num regime opressivo de outros povos”, referiu.
No evento promovido pela ONU News, Guterres, que nasceu em Portugal durante a ditadura de António de Oliveira Salazar, partilhou lembranças dos eventos que marcaram a Revolução dos Cravos, mas também a relevância em termos globais.
O secretário-geral da ONU criticou que esta revolução não tenha acontecido décadas antes, realçando o legado do colonialismo e as consequências trágicas para os países colonizados.
“Infelizmente, Portugal vem muito tarde. (…) A ideia de que era possível manter um império colonial, no século 20, como Salazar pensava, era não só profundamente inaceitável do ponto de vista político e moral, mas era uma ideia absurda, porque era evidente que um país pobre, pequeno como Portugal não tinha condições para o fazer”, defendeu.
O ex-primeiro-ministro salientou que também não se tem a noção do que foi o sofrimento dos portugueses, indicando que “mais de um milhão de portugueses na década de 60” saíram do país, muitos deles porque não queriam fazer o serviço militar ou porque Portugal não estava a desenvolver-se, nem a criar as condições e oportunidades necessárias, para permanecerem.
“Claro que estamos do lado certo da história libertando um país da ditadura, e estamos do lado certo da história restabelecendo justiça nas relações internacionais, depois de um passado colonial que é inaceitável”, afirmou.
Guterres deixou uma mensagem de “grande esperança” para a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), na qual vê “um símbolo de paz” e um “profundo sentido de fraternidade que, infelizmente, falta no mundo”, desejando que o bloco possa ter um papel decisivo em “restabelecer a confiança que está perdida no mundo”.
Lusa