“(…) Há qualquer coisa que a Assembleia da República podia fazer de muito concreto, que era solicitar um inquérito nacional aos abusos sexuais às crianças na sociedade portuguesa, como fizeram os franceses aliás, para se poder ter a medida do que é que isto representa em termos de incidência nacional”, apelou a socióloga Ana Nunes de Almeida.
Numa audição na Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias da Assembleia da República, a requerimento do Chega, PS e PSD, sobre o relatório final daquela comissão, intitulado “Dar voz ao silêncio”, Ana Nunes de Almeida reconheceu, contudo, que “isto envolve dinheiro, envolve vontade, envolve muita competência”.
“Mas nada que se compare aos muitos milhares de euros que andam por aí a voar, muitos milhares de milhões de euros que andam por aí a voar em outros setores”, comentou, acrescentando: “Era este o apelo que eu deixava à Assembleia da República. São ‘peanuts’ [é uma ninharia]”.
O presidente da comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, Fernando Negrão, comentou: “Haja vontade política”.
Sobre as entidades contactadas pela comissão, Ana Nunes de Almeida assinalou que tiveram de “mover mundos e fundos” para conseguir divulgar o apelo ao testemunho “e não foi só no interior da Igreja, foi também na sociedade civil”.
Segundo a socióloga, “se não fosse a comunicação social e certos órgãos de comunicação social”, esse apelo não passava, pois “houve uma espécie de um silêncio e de um alheamento e de uma negligência de grupos, de organizações que trabalham com as crianças, que lidam com crianças, para não falar dos municípios, das juntas de freguesia, dos centros de saúde, do sistema de saúde”, entre outros.
“Nós tivemos apoio, sim, ‘têm as portas abertas’, mas depois ‘façam lá o vosso trabalhinho’. Nós sentimos isso, não foi só na Igreja, foi na sociedade civil”, insistiu.
A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais Contra as Crianças na Igreja Católica Portuguesa validou 512 dos 564 testemunhos recebidos, apontando, por extrapolação, para um número mínimo de vítimas da ordem das 4.815.
Vinte e cinco casos foram reportados ao Ministério Público, que deram origem à abertura de 15 inquéritos, dos quais nove foram já arquivados, permanecendo seis em investigação.
Estes testemunhos referem-se a casos ocorridos entre 1950 e 2022, período abrangido pelo trabalho da comissão.