Em entrevista à Lusa, Robert Muggah, diretor da SecDev, empresa de consultoria de risco geopolítico e digital, assumiu que o valor real de todos os recursos tomados pelos russos na Ucrânia deverá ser "consideravelmente maior".
"Para colocar isso em perspetiva, o valor total estimado de todos os hidrocarbonetos e minerais ucranianos é de cerca de 26 biliões de dólares (25,9 biliões de euros)", explicou Muggab.
A ofensiva militar lançada a 24 de fevereiro pela Rússia na Ucrânia causou já a fuga de mais de 12 milhões de pessoas de suas casas – mais de seis milhões de deslocados internos e mais de seis milhões para os países vizinhos -, de acordo com os mais recentes dados da ONU, que classifica esta crise de refugiados como a pior na Europa desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A invasão russa – justificada pelo Presidente russo, Vladimir Putin, com a necessidade de “desnazificar” e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia – foi condenada pela generalidade da comunidade internacional, que está a responder com envio de armamento para a Ucrânia e imposição à Rússia de sanções que atingem praticamente todos os setores, da banca à energia e ao desporto.
Recentemente, a SecDev analisou a riqueza natural da Ucrânia e a sua apropriação pela Rússia, tendo identificado mais de 9.600 depósitos de recursos naturais, incluindo vários tipos de carvão, petróleo, gás, metais, minérios, terras raras, metais e pedras preciosas, concluindo que o país é "superpotência de recursos naturais".
A SecDev também identificou e confirmou depósitos de várias matérias-primas minerais, como areias, granito, calcário, e matérias-primas para energias renováveis, fabrico de baterias, indústrias químicas e de construção, assim como poços de água. No total, a SecDev recolheu dados de 177 tipos de recursos minerais e hídricos em toda a Ucrânia, incluindo na região do Donbass e Crimeia, sob ocupação russa.
"Em agosto de 2022, a Ucrânia cedeu o controlo de quase 2.000 depósitos de várias categorias de minerais e poços de água. Em termos absolutos, isso significa que mais de 20% de todos os depósitos ucranianos conhecidos de hidrocarbonetos e minerais críticos são efetivamente ‘controlados’ pela Rússia desde a anexação de 2014", disse Robert Muggah.
Isso não significa que esses recursos estejam a ser ativamente extraídos ou vendidos, mas sim que eles já não estão sob o domínio das autoridades ucranianas.
Questionado se, tendo em conta a importância estratégica da riqueza da Ucrânia, esse país poderia tornar-se num importante fornecedor de gás e rivalizar com a Rússia nesse aspeto, Muggah indicou que a Ucrânia tem reservas e depósitos significativos e subexplorados de petróleo, gás e carvão, mas ainda depende fortemente de importações para atender às necessidades domésticas de energia.
"Se essas reservas fossem exploradas, poderia começar a rivalizar com a Rússia em várias frentes. Estima-se que haja mais de um bilião de metros cúbicos de gás natural na Ucrânia e biliões de dólares de potencial por desbloquear. Apesar das grandes reservas de petróleo, gás e carvão e produção de energia nuclear, a Ucrânia importou 83% do seu consumo de petróleo, 33% do seu gás natural e 50% do seu carvão em 2021", detalhou o cientista político.
Os esforços da Ucrânia para reduzir a dependência da energia russa foram interrompidos na última década. Esforços para expandir a exploração de hidrocarbonetos em parceria com empresas internacionais de energia em 2013 e 2014 foram suspensos devido à anexação da Crimeia pela Rússia e a subsequente guerra no Donbass, explicou a SecDev.
A invasão russa deste ano também minou com sucesso a política de segurança energética da Ucrânia.
"No momento, muitas das áreas conhecidas com produção e depósitos ativos de petróleo, gás e carvão estão em áreas afetadas pela invasão russa ou reivindicadas pela Rússia. A SecDev descobriu que mais de 80% das reservas comprovadas de gás e 90% da produção estão na região de Dnipro-Donetsk, bem como na plataforma rasa do Mar Negro", disse Muggah.
As reservas de carvão conhecidas também estão concentradas no Donbass e estão agora apenas a funcionar parcialmente. Exploração, perfuração, extração, refinação e exportação de todos os hidrocarbonetos e minerais críticos por via marítima e ferroviária encontram-se "profundamente perturbadas", devido à guerra.
Já em relação à questão mineral, o especialista garante que a Ucrânia tem potencial para ser uma superpotência de minerais e de terras raras, apesar da invasão russa do leste e litoral da Ucrânia ter paralisado essa agenda.
"A dotação de recursos naturais do país é impressionante. De acordo com fontes do Governo ucraniano, o país ocupa o 4.º lugar no mundo em termos de valor total avaliado de recursos naturais, incluindo 117 dos 120 minerais mais utilizados. Possui mais de 20.000 depósitos pesquisados e ocupa o primeiro lugar na Europa em relação ao urânio recuperável, o segundo em termos de titânio e o terceiro em gás de xisto. O grande volume dos minérios mais usados do mundo é de tirar o fôlego", observou.
A Ucrânia também abriga os maiores depósitos de terras raras do mundo, que são fundamentais para a transição para a energia verde, segundo a SecDev. Essas reservas estão concentradas em muitas áreas contestadas pela Rússia.
Geograficamente, a maioria das terras raras parece estar concentrada em Kruta Balka em Zaporojia, Shevchenko em Donetsk e nos campos de Polokhivske em Dobra, Kirovohrad.
"É claro que a anexação da Crimeia em 2014, o conflito de oito anos no Donbass e a recente invasão da Rússia em 2022 reduziram drasticamente a produção e a exploração de minerais críticos, incluindo terras raras. Apesar dos leilões para emitir mais de 100 licenças em 2021, muitas empresas internacionais e domésticas desaceleraram ou cessaram as atividades de mineração na Ucrânia desde o início da guerra", em 24 de fevereiro, afirmou o diretor da SecDev.