“Posso perceber [os vistos ‘gold’] nas circunstâncias em que Portugal introduziu a política, após a crise financeira", mas não "por que razão esta continua, agora que [o país] já não precisa” de atrair investimento estrangeiro desta forma, disse Bullough à Agência Lusa, durante uma apresentação hoje em Londres do livro “Butler to the World”.
“Talvez se possa desculpar durante uma crise, mas em tempos normais é muito difícil de explicar. Quem é o tipo de pessoa que vai comprar vistos? Nós sabemos, porque podemos ver quem eles são. As pessoas que têm boas ideias de negócios podem obter vistos de outras formas”, argumentou o jornalista britânico.
O programa de concessão de Autorização de Residência para Investimento (ARI) foi lançado, em outubro de 2012, durante a crise da dívida soberana.
Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), em nove anos foram captados por via deste instrumento quase 6.200 milhões de euros, a maior parte correspondente à compra de bens imóveis.
Depois de ter vivido vários anos na Rússia, Bullough publicou vários livros sobre crime financeiro, lavagem de dinheiro e evasão fiscal, nomeadamente “Moneyland” em 2018 e agora “Butler to the World” [Mordomo do Mundo].
Na obra, expõe várias lacunas nos sistemas legislativo e financeiro britânicos que permitem a magnatas e criminosos movimentar dinheiro e comprar ativos no Reino Unido.
"Um exemplo clássico é a venda de ‘vistos gold’ para estrangeiros ricos que desejam mudar-se para o Reino Unido”, à semelhança de países como Portugal, Grécia ou Itália, escreve.
Bullough cita um estudo da Comissão Consultiva para a Migração britânica, que examinou o programa em 2014 e concluiu que "embora fosse extremamente benéfico para seus candidatos, quase não beneficiava o Reino Unido como um todo, ao mesmo tempo em que aumentava a desigualdade e, portanto, os problemas sociais”.
O esquema só foi suspenso em fevereiro, quando ficou evidente que ao longo de anos foi usado por centenas de oligarcas russos e familiares, que compraram mansões, fizeram doações a instituições culturais ou abriram empresas.
Muitos deles acabaram por ser sujeitos a sanções na sequência da invasão da Ucrânia pela Rússia por estarem associados ao regime do presidente russo, Vladimir Putin.
Bullough considera que o impacto dos vistos ‘gold’ na economia britânica é questionável.
"Os candidatos a vistos ‘gold’ não vêm para o Reino Unido para abrir empresas e criar riqueza, vêm para evitar impostos e escrutínio”, afirma no livro.
A Comissão Europeia pediu hoje aos Estados-membros europeus para “revogarem imediatamente” os regimes de cidadania pelo investimento, os passaportes dourados, e controlarem os regimes de residência, os vistos ‘gold’, programas com “riscos acrescidos” devido à guerra da Ucrânia.
Lembrando que “alguns cidadãos russos ou bielorrussos que estão sujeitos a sanções ou que apoiam significativamente a guerra na Ucrânia podem ter adquirido a cidadania europeia ou o acesso privilegiado à UE” ao abrigo destes regimes, Bruxelas pede que os países europeus enfrentem “os riscos imediatos” retirando eventuais concessões a estes oligarcas.
O Governo português garantiu que nenhum cidadão russo com visto ‘gold’ em Portugal faz parte da lista das pessoas sujeitas a sanções na União Europeia (UE).