Numa cerimónia em formato de memorial para marcar o 30.º aniversário do genocídio de 1994 contra os tutsi no Ruanda, Guterres frisou que a “carnificina”, que se prolongou por 100 dias e que resultou na morte de um milhão de pessoas, foi motivada por uma intenção explícita de destruir membros de um grupo simplesmente por causa da sua identidade étnica.
Após um momento de silêncio em que a Assembleia-Geral da ONU ficou às escuras e em que se acenderem velas em memória das vítimas, o líder das Nações Unidas considerou os eventos de há 30 anos “uma lembrança brutal do legado do colonialismo” e apelou à reflexão sobre a “raiz (…) de todos os genocídios – o ódio”.
“Os genocídios culminam em violência e morte em massa. Mas eles começam com a arma das palavras. O genocídio no Ruanda foi alimentado por décadas de discursos de ódio contra os tutsi. Três décadas depois, a violência verbal do discurso de ódio ainda nos rodeia”, observou.
“Hoje em dia, ideologias divisórias e perigosas são transmitidas através do megafone global das redes sociais. Mas as mensagens vis permanecem demasiado familiares. Racismo, misoginia, mentiras, antissemitismo, intolerância anti-muçulmana, estigmatização, discriminação e a negação total – ou mesmo glorificação – de genocídios passados, incluindo o Holocausto e o genocídio contra os tutsi”, enumerou.
O ex-primeiro-ministro português apelou então à comunidade global para que se una contra os discursos de ódio e que os denuncie onde quer que sejam encontrados.
Guterres apelou ainda a um esforço global renovado para ratificar e concretizar plenamente a Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, reforçando simultaneamente os mecanismos de prevenção, educando as novas gerações sobre os genocídios passados e combatendo a desinformação que alimenta o ódio e as intenções e ações genocidas.
Numa mensagem especialmente dirigida aos jovens do Ruanda, o secretário-geral assegurou que os horrores dos 100 dias de genocídio nunca serão esquecidos e pediu-lhes que usem a sua voz e ativismo para manter viva a memória daqueles que foram mortos há três décadas.
“Vamos todos reagir contra o ódio e a intolerância, onde quer que os encontremos. Que a memória das vítimas estimule as nossas ações e inspire o nosso compromisso de garantir um mundo melhor e mais seguro para todas as pessoas. As Nações Unidas estarão sempre convosco neste importante esforço”, concluiu.
O evento de hoje nas Nações Unidas contou, entre outros momentos, com uma atuação da Orquestra Sinfónica da ONU, com um testemunho do ativista e escritor e sobrevivente do genocídio Claver Irakoze, que recordou as memórias desse período sombrio, e com a presença de quatro crianças ruandesas, que leram mensagens em memória das vítimas e sobreviventes.
O massacre da primavera de 1994 foi desencadeado no dia seguinte ao atentado contra o avião do Presidente hutu Juvénal Habyarimana, quando se vivia um ambiente de ódio crescente alimentado por uma campanha anti-tutsi.
Durante três meses, o exército, as milícias Interahamwe (braço armado do regime genocida hutu), mas também cidadãos comuns, com espingardas e machetes, massacraram os tutsi – chamados pelos genocidas de ‘inyenzi’ (baratas, na língua kinyarwanda) – mas também opositores hutu.
O massacre terminou quando a rebelião tutsi da FPR tomou Kigali a 04 de julho de 1994, levando à fuga de centenas de milhares de hutu em direção ao vizinho Zaire, hoje República Democrática do Congo.
Trinta anos depois, continuam a ser encontradas valas comuns no país.
Lusa