O incidente de recusa, assinado pelos advogados Francisco e Luísa Teixeira da Mota, a que a agência Lusa teve hoje acesso, surge na sequência da entrega pelo juiz (a quem foi distribuído informaticamente o processo) de um pedido de “escusa de intervir na tramitação e julgamento, por existir suspeita sobre a sua imparcialidade”, depois de surgirem notícias, fotografias e publicações nas redes sociais do magistrado a dar conta da sua ligação afetiva ao Benfica.
A defesa de Rui Pinto sustenta que a suspeita quanto à imparcialidade do juiz Paulo Registo “não se funda nem em suspeitas na distribuição dos processos, nem na sua mera filiação clubística, nem no clube do qual supostamente são adeptos os arguidos, nem sequer a circunstância de o denominado processo e-toupeira ter sido distribuído ao coletivo de integra”.
No entender dos advogados há outras razões, nomeadamente, “o facto de o juiz ser um ‘fanático ou um ‘fervoroso’ adepto do Benfica, sendo que ao arguido Rui Pinto é imputada, nestes autos, a autoria do blog ‘Mercado do Benfica’, que deu origem a processo (s) contra o Benfica e seus funcionários que correm pelos tribunais portugueses”.
Outro dos motivos invocados prende-se com a alegada violação do dever de reserva do magistrado.
“O Sr. Juiz, numa evidente violação do dever de reserva a que está obrigado, já ter tomado uma posição pública de condenação sobre o caso – apoiando publicações nas redes sociais que apelidam Rui Pinto de ‘pirata’ – e a ex-eurodeputada Ana Gomes – que tem sido uma das mais importantes vozes a apoiar a causa do arguido – como ‘Ana Heroína Gomes’, em tom evidentemente jocoso”, refere o documento.
O requerimento diz ainda que o facto de o juiz “ter apagado as publicações em causa e decidido ocultar a sua página na rede social Facebook, depois de conhecido o seu fanatismo desportivo ilustrado nas redes sociais, bem como quaisquer comentários por si realizados noutras páginas”, procurando assim “ocultar da opinião pública aquilo que foi divulgado na comunicação social e [nas] redes sociais, e tudo mais que pudesse vir a ser conhecido”, revela “uma inaceitável vontade de ocultar aquilo de que anteriormente se orgulhava”.
Para a defesa não se trata de o juiz ser do Benfica, e os arguidos, Rui Pinto e o advogado Aníbal Pinto, serem do FC Porto.
“Trata-se de o Sr. Juiz, publicamente, já ter feito o seu julgamento, o seu pré-juízo, em relação a, pelo menos, um dos arguidos e de ser um fervoroso adepto do Sport Lisboa e Benfica – e não um mero simpatizante como refere no pedido de escusa -, clube visado no blogue cuja autoria é imputada a Rui Pinto, o que, com grande probabilidade, lhe retira a capacidade de, num caso como os dos autos, ser equidistante e imparcial em relação ao objeto do processo e sujeitos processuais, como o deve ser o julgador”, vincam os advogados.
O requerimento sustenta que existem “motivos sérios e graves que tornam a intervenção do juiz suspeita aos olhos da comunidade”.
“Não se pretende afirmar, de forma alguma, que o Sr. Juiz voluntariamente, intencionalmente ou mesmo conscientemente afaste a imparcialidade no julgamento dos arguidos, mas que, além das legitimas suspeitas da comunidade sobre a impossibilidade da mesma, o próprio Sr. Juiz com a sua atuação após a revelação da sua atuação nas redes sociais, ao apagar e fazer desaparecer os seus ‘posts’ e a sua própria página do Facebook revela um irracionalidade comportamental e um desejo de ‘ficar’ com o processo que não é aceitável e que não é minimamente afastada da forma como apresentou o seu pedido de escusa", salienta a defesa de Rui Pinto.
Os advogados referem ainda que a atuação suspeita do juiz “é reforçada de forma particularmente grave" quando, no seu incidente de escusa perante o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), “omite tal factualidade, podendo, assim, induzir em erro o tribunal superior”.
Caberá agora ao TRL decidir se aceita os pedidos de escusa e de recusa.
Em janeiro deste ano, o Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa decidiu levar a julgamento o advogado Aníbal Pinto (apenas pelo crime de tentativa de extorsão à Doyen), e Rui Pinto, que está em prisão domiciliária, por 90 crimes de acesso ilegítimo, acesso indevido, violação de correspondência, sabotagem informática e tentativa de extorsão, mas deixou cair 57 dos 147 crimes pelos quais o arguido havia sido acusado pelo Ministério Público.
C/Lusa