Segundo a especialista do Grupo de Atuação em Psicologia & Performance, as apostas desportivas têm um efeito no cérebro que “funciona da mesma forma de qualquer outra adição”, seja o álcool, drogas, medicamentos ou outros comportamentos aditivos.
A associação da publicidade ao fenómeno desportivo, remetendo a pessoa para acertar no resultado e em dezenas de outros fatores possíveis tem também efeitos nefastos, sobretudo para pessoas vulneráveis a problemas de jogo.
“Torna-se mais fácil influenciar as pessoas, por várias razões. As pessoas já vão ver desporto porque o desporto permite uma sensação intensa que a maioria das pessoas não consegue ter de outra forma na vida. (…) Quando vamos ver um evento desportivo, a excitação e a antecipação do bem-estar estão presentes durante aquele evento, e isso coloca o nosso cérebro muito iluminado em termos da sensação do prazer”, defende.
Assim, ao assistir a um evento desportivo, como um jogo de futebol, é frequente encontrarem-se mensagens publicitárias as casas e jogos de apostas ‘online’, além dos jogos sociais do Estado também ligados ao desporto, seja nos intervalos televisivos, nos ecrãs gigantes, em nomes de estádios e competições e nas camisolas dos jogadores.
“Quando ligamos a publicidade a um momento destes, estamos a ligar a publicidade a um momento de prazer. Quando nos formos lembrar ou do evento ou da publicidade, está ligada a um momento de prazer. Isto é o primeiro passo”, aponta.
As apostas, em si um fenómeno de jogo, ficam ligadas a este momento de prazer e “a algo muito socialmente aceite, até desejável, que permite um bem-estar acrescido porque normalmente [o desporto] é partilhado com outros, que permite conversa e integração em grupos”, e a comunicação nem sequer é subliminar mas “visível a todos” e “muito chamativa”.
“O próprio jogo da aposta tem este componente mágico, de ‘eu vou apostar e vou receber alguma coisa em troca’. Na realidade, a troca acaba por não vir. O que dá muito prazer à pessoa é a antecipação do que pode vir. A antecipação da recompensa. Ela depois não chega, mas a pessoa já viveu no corpo a antecipação da recompensa, que produz um cocktail de mediadores químicos no cérebro e no corpo que nos faz sentir muito bem. São muito poderosos”, detalha.
Este fenómeno de antecipação começa desde logo na ilusão de controlo, de “recolher informações”, e depois, “quando há um desprazer muito grande porque não se ganhou, este é colocado de lado porque a pessoa não quer viver isso”.
“Só quando se chega a situações muito limite é que a pessoa para de apostar. Isto é mais grave ainda na nossa sociedade porque temos uma crise económica muito grave. E quem joga mais são as pessoas com menos dinheiro. A necessidade vem juntar-se àquela magia e antecipação. ‘Eu vou resolver os meus problemas se ganhar dinheiro’. Portanto, isto é um ciclo vicioso muito complexo e muito difícil. Este mecanismo instala-se no nosso cérebro da mesma forma que o prazer da heroína, álcool ou seja o que for”, lamenta.
Quanto à publicidade, esta “é particularmente grave porque as pessoas não têm nenhuma capacidade decisão de se exporem ou não”, e Assunção Neto lembra a forma como o tabaco foi desaparecendo da Fórmula 1 e do desporto em geral, pelo “impacto na saúde pública a nível mundial”.
Se no caso do álcool “é muito mais complicado”, por ser mais aceite a nível social, no jogo torna-se “mais indireto e menos percetível”, por não impactar na saúde física, além de estar ligado à aprendizagem desde tenra idade.
“As crianças aprendem a jogar, é através do jogo que se apreendem as regras sociais, e é altamente gratificante jogar e conseguir ganhar. A competitividade é uma característica muito humana”, comenta.
A especialista nota como as mensagens publicitárias “estão em todo o lado num evento desportivo”, associando uma coisa à outra, e exemplifica com a associação de longa data de uma marca de cerveja à seleção nacional.
A opção pela divulgação de produtos sem álcool, que tem surgido em Portugal, leva-a a recorrer à experiência clínica para notar que esta pode “permitir maior aceitação”, como fator de substituição.
Duvida que a legislação em torno das apostas desportivas possa ‘apertar’, até porque a própria lei só permite jogar a partir dos 18 anos “e não é o que acontece”.
A aposta, então, terá de ser “na educação, e em permitir às pessoas que tenham uma vida melhor e não precisem tanto de jogar”, para contrariar uma temática que “têm um potencial aditivo mesmo muito grande”.