Nuno e Margarida trabalham há vários anos a poucos metros de distância, em escolas diferentes, mas só agora se conheceram: Depois de várias mensagens trocadas por WhatsApp, o encontro aconteceu em janeiro, durante o cordão humano, que uniu a Escola Secundária Quinta do Marques à Escola EB 2/3 Conde de Oeiras.
À Lusa, Margarida Gil contou que sempre sentiu que “a escola de cima, por ser liceu e maior, tinha alguma sobranceria” em relação à Conde de Oeiras, onde dá aulas, mas agora essa sensação desapareceu.
“O dia do cordão humano foi a primeira vez que as duas escolas se juntaram e sentimos que estamos todos juntos por uma causa comum”, contou a professora de Português de 59 anos de idade, que está efetiva naquela escola de Oeiras há mais de duas décadas.
Os grupos de WhatsApp usados para tratar de assuntos relativos aos alunos e à escola passaram a ser também uma ferramenta para tentar atingir reivindicações, como a recuperação dos mais de seis anos que os professores trabalharam, mas tiveram a carreira congelada.
Uma professora de Odivelas, que pediu o anonimato, explicou que “cada escola tem um coordenador que está em contacto com as outras escolas para trocar experiências sobre formas de luta”.
“O WhatsAap é um verdadeiro instrumento de trabalho nesta luta genuína de professores”, corroborou Filinto Lima, diretor da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP), reconhecendo que “também na sala dos professores este é o assunto do dia”.
Foi precisamente na sala de professores da Escola Secundária Quinta do Marques que decorreu um plenário organizado pelos professores, sem apoio de qualquer estrutura sindical.
Por detrás da iniciativa esteve Nuno Maia Onça. O professor leu no Código de Trabalho que qualquer pessoa podia convocar uma reunião, bastando reunir um terço das assinaturas dos trabalhadores.
“A escola tem 103 professores e conseguimos cerca de 70 assinaturas”, contou à Lusa.
A 11 de janeiro, dia de greve, os portões da secundária não abriram. Mas, na sala de professores, realizou-se um plenário que durou cerca de duas horas, o tempo necessário para que mais de meia centena de docentes discutissem questões como as dificuldades em progredir na carreira mas também problemas do dia-a-dia na escola.
“Falámos sobre a falta de uma cantina, de um bar, de um pavilhão desportivo e de uma sala de convívio para os estudantes”, explicou à Lusa Nuno Gameiro, que esteve no plenário.
Professor há 23 anos, Gameiro já passou por várias escolas, mas “nunca viveu nada assim”: “Foi um momento muito democrático. Sentimos que, desta vez, a luta está nas mãos dos professores e não dos sindicatos”.
“Houve um compromisso não com um sindicato mas sim uns com os outros, porque o descontentamento é real, as pessoas sentem que as reivindicações são justas e, por isso, não vamos parar de lutar”, acrescentou Nuno Onça.
No plenário decidiu-se também fazer dois dias de greve e precaver que os trabalhadores mais frágeis não seriam prejudicados.
Na escola ao lado, na Conde de Oeiras, a história repete-se. “Há colegas meus que ganham o ordenado mínimo e outros que nem o salário mínimo ganham, e esses não podem fazer greve. Por isso organizamo-nos”, disse a professora de Português Margarida Gil.
Mas, na sua escola, as reuniões têm sido de manhã antes das aulas começarem, ou nos intervalos, contou.
Em Odivelas, há ainda marcações de reuniões por zoom, ao domingo à noite, quando os professores já estão em casa, acrescentou a professora que pediu para não ser identificada.
Para o diretor da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE), Manuel Pereira, “a situação está no limite. Os professores estão unidos e não vão parar enquanto não forem ouvidos”.
Filinto Lima acrescenta que existe uma luta silenciosa entre sindicatos, que não desmobiliza os docentes que têm participado nos protestos sem olhar a quem os convoca.
Margarida Gil é um desses exemplos. Nas últimas seis semanas, levanta-se todos os dias às seis da manhã para estar à frente da escola antes de alunos e pais chegarem, “faça chuva ou faça sol, esteja frio ou um gelo”.
A professora de 59 anos é uma das manifestantes que desde dezembro está diariamente à porta da escola exibindo a faixa amarela com o dizer: “Professores em União para salvar a Educação”.
À Lusa disse que não vai desistir, mesmo sabendo que poderá já não ser abrangida pelas conquistas da luta: “Não me importo. Luto pelos mais novos e não vou parar”.
Lusa