O alerta de Salaverría, professor de comunicação e jornalismo na Universidade de Navarra, surgiu numa mesa redonda sobre “Perspetivas sobre desinformação, jornalismo e inteligência artificial”, durante um seminário em Granada, Espanha, sobre inteligência artificial e desinformação.
Segundo o professor, o problema está nos algoritmos que estas tecnologias usam, porque privilegiam as audiências e os cliques.
“O jornalismo pode estar perante um precipício profissional. Os conteúdos falsos tendem a difundir-se mais, têm mais visibilidade e por isso temos de estar muito atentos quando usamos este tipo de tecnologia”, afirmou.
É neste contexto que a inteligência artificial (Artificial Intelligence – AI) pode ajudar na luta contra a desinformação, ao tentar encontrar os padrões e aplicá-los depois em situações diferentes.
“A AI é um observador incansável, aprende e aplica o conhecimento adquirido em situações futuras”, explicou a este propósito, no debate, Juan Gomez Romero, especialista em inteligência artificial da Universidade de Granada.
A sua utilização pode ser determinante para identificar e combater os boatos e rumores, na medida em que há uma procura constante de novos formatos e públicos para os difundir, nomeadamente entre os jovens.
Para o jornalista Pablo Martinez, do ‘site’ espanhol Maldita.es [um ‘site’ de verificação de factos] também presente na mesa redonda, o desafio atual é precisamente o chamado entretenimento, porque os “desinformadores” usam cada vez mais estas formas para criar narrativas ocultas a que os jovens são permeáveis.
Agora, não é só a desinformação que conta, são as próprias narrativas por trás do entretenimento que, em si, já constituem desinformação, explicou Martinez.
Entender esses limites difusos é entender como se faz a desinformação.
Ramón Salaverría chamou, aliás, a atenção para a diferença entre desinformação e a opinião “discrepante”, ou seja, entre mentira e opinião, porque muitas vezes se interpreta como opinião o que é desinformação.
“Desinformação é um conteúdo falso e como tal manipulado e divulgado, outra coisa é uma opinião diferente, por mais radical que seja e que não se conecte com os meus princípios da realidade”, disse.
De acordo com este especialista, o problema é que nas sociedades atuais, muito polarizadas, se interpreta frequentemente o distanciamento ideológico como uma situação de falsidade.
“Há a tentação de tratar opiniões diferentes como mentiras, o que é enganoso, cria zonas cinzentas, que é preciso tratar com muito cuidado”, advertiu.
Este mesmo alerta vale para as redes sociais, vistas como “territórios de debate público”, o que este especialista contesta.
Muitas das vozes que se ouvem neste espaço são artificiais, feitas expressamente para incrementar a ressonância da mensagem, com grupos coordenados para as ampliar através dos algoritmos.
“As redes sociais não são uma ágora. Devíamos descer à terra e dar-nos conta do seu valor [das redes sociais], mas não dar-lhes a categoria de espaço público ou democrático. Há um desequilibro que proporciona o desenvolvimento da desinformação, que por sua vez gera a polarização”, defende o professor de Navarra.
De modo geral, os participantes da mesa redonda concordaram em que, apesar de a guerra ter aumentado os conteúdos falsos, as narrativas falsas vão chegar em mais quantidade, por causa da crise energética que se aproxima e à qual estão sujeitas as sociedades europeias devido ao conflito.
A advertência foi sublinhada pela analista de informação e comunicação Beatriz Marín Garcia, membro da unidade técnica do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), segundo a qual a desinformação contra a NATO e a União Europeia vai aumentar.
Para Beatriz Marín, os temas variam também consoante os países ou áreas geográficas que se pretende atingir.
Em África, por exemplo, predomina o tema da alimentação e da falta de alimentos vindos da Ucrânia e que não lhes chegam por culpa da UE, ao passo que na Europa se prevê que sejam mais numerosos os conteúdos sobre a crise energética.
“E se, por exemplo, esse tipo de conteúdos falsos não atinge Portugal ou Espanha, é porque não estão no radar geopolítico de interesse da Rússia” sublinhou.
Foi também esta especialista que alertou para a necessidade de mudar de paradigma, passando de uma lógica reativa para uma outra de alerta e focando-se mais o trabalho na pesquisa das redes de distribuição de conteúdos.
Para Beatriz Marín, têm de se mapear os ecossistemas, ver como se podem estabelecer vínculos entre, por exemplo, contas no Telegramm e o Youtube e aprofundar a maneira como se publicam conteúdos na Wikipédia.
“Há muito pouca investigação e de como se transmite a evidência, com se pode automatizar estas buscas”, concluiu, sublinhando que este trabalho deve ser partilhado entre os verificadores (os chamados “fact-checkers”) e os diversos canais europeus.