A troca de acusações está relacionada com uma iniciativa prevista para o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, que se assinalou na segunda-feira, promovida pela Associação Impossible – Passionate Happenings, que há 20 anos organiza este evento em Lisboa e, inclusive, teve o apoio dos anteriores executivos.
Este ano, além da marcha/caminhada, a iniciativa previa um piquenique, mas acabou por ser cancelada após oposição dos presidentes das juntas de freguesias do PS e do PCP.
Essa contestação surgiu na sequência de um ‘e-mail’ da vereadora dos Direitos Humanos e Sociais, Laurinda Alves, que pediu para que divulgassem e convocassem para o evento as pessoas “em situação de vulnerabilidade social”.
Hoje, na Assembleia Municipal de Lisboa, o assunto voltou a ser discutido a propósito de um voto de saudação ao Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza, apresentado pelo PEV, com José Sobreda Antunes, deputado deste partido, a afirmar que a resposta da câmara ao problema “piorou ao propor-se organizar uma marcha e piquenique para os mais vulneráveis, num inconcebível atentado à dignidade humana”.
O deputado municipal manifestou-se ainda contra a opção do executivo de “entregar às famílias com elevados rendimentos mais de 40 milhões de euros de receita municipal em 2022” (devido ao aumento da taxa de devolução do IRS), numa posição partilhada por Isabel Mendes Lopes, do Livre, que disse que a política fiscal deste executivo aumenta o fosso das desigualdades.
“O combate contra a pobreza tem de ser inclusivo, com uma Lisboa que não deixe ninguém para trás e com um plano capaz de proteger as pessoas, sem espaço para brincar às caridadezinhas e piqueniques e marchas com pobrezinhos”, reclamou Miguel Graça, independente do Cidadãos por Lisboa eleito pela coligação PS/Livre.
Da bancada do PS, José Leitão afirmou que não compete aos autarcas “organizar piqueniques ou marchas com os mais pobres ou excluídos”, e defendeu que “o que faz falta são novos programas e mais recursos para os que se encontram em situação de crescente vulnerabilidade”.
Confirmando o apoio ao evento realizado em anos anteriores, Isabel Pires, do BE, argumentou que antes “a iniciativa não tinha o cariz de caridadezinha que, neste momento, com este mandato, estava em cima da mesa”. Noutros anos, indicou, chegou a haver painéis de debate sobre formas de erradicar a pobreza.
Respondendo às críticas, o líder do grupo municipal do PSD, Luís Newton, disse que “é preciso um enorme descaramento e hipocrisia” dos partidos da esquerda para fazerem insinuações “quando no passado apoiaram esta iniciativa, chegando ao ridículo de ter o vereador Manuel Grilo [BE] a encabeçar a marcha”, e afirmou que o evento tinha “as mesmíssimas pessoas a organizar e com a câmara municipal a ter o mesmíssimo papel que tinha no passado”.
Também Isabel Galriça Neto, do CDS-PP, considerou que “não é sério” o discurso de “ataque” da esquerda, enquanto o deputado Jorge Nuno Sá, do Aliança, disse que houve “um tiro ao alvo, porque há uma vereadora que decidiram que é um alvo a abater”, reforçando: “A marcha é a mesma, os organizadores são os mesmos. Desta vez a caridadezinha é porquê? Vão marchar com as mãos e os pés no ar? Qual é a diferença?”
“Quando um evento é promovido pela esquerda económica é a luta até ao expoente máximo da defesa do fim da pobreza, é a luta pelas classes mais desfavorecidas. Quando exatamente o mesmo evento é defendido por ou elaborado por um executivo da direita económica, o que é este evento? É caridadezinha”, criticou Gonçalo Cordeiro, da Iniciativa Liberal.
Partilhando da posição, José Inácio Faria, do MPT, referiu que “exatamente a mesma iniciativa, se é da direita, é de condenar; sé é da esquerda, é para louvar”. No seu entender, trata-se de “uma incongruência e falta de coerência”.
A fechar o debate, o vice-presidente da Câmara de Lisboa, Filipe Anacoreta Correia (CDS-PP), defendeu que “a questão da pobreza merece mais do que isto”, reiterando que a iniciativa em causa é organizada em Lisboa há 20 anos, com a Associação Impossible – Passionate Happenings, e defendendo a vereadora Laurinda Alves, que não esteve presente na reunião.
“Se […] houve alguma questão escrita ou falada por parte de algum membro do executivo a quem foi atribuída uma leitura, que a nosso entender é manifestamente abusiva, que fique bem claro: nunca se quis instrumentalizar a pobreza de ninguém”, declarou.
O voto de saudação do PEV acabou por ser aprovado por maioria, com a abstenção do Chega e o voto a favor dos restantes eleitos.