Num artigo de opinião no jornal Público, que intitulou “A mulher de César é séria”, Ana Abrunhosa salientou que algumas notícias sobre os apoios aprovados para a empresa da qual o marido é sócio “deixaram propositadamente no ar a insinuação de que esses apoios só foram possíveis” por ser membro do Governo e assegurou que não tem qualquer interferência na gestão das empresas do marido, que já era um “empresário de longa data, filho e neto de empresários”, antes de ter sido convidada para funções governativas.
“Para que fique absolutamente claro: nem eu, nem nenhum dos meus secretários de Estado, alguma vez tivemos intervenção, direta ou indireta, no processo de aprovação de candidaturas, nem na atribuição de qualquer apoio financeiro”, afirmou a ministra.
“Quero deixar claro que no desempenho das minhas funções agi sempre com legalidade, cumpri sempre com o meu dever de imparcialidade e exerci sempre as funções que me foram confiadas com total transparência”, reiterou, salientando ainda que não acompanha os negócios do marido, com quem casou em regime de separação de bens.
A ministra destacou que as empresas participadas pelo marido constam da sua Declaração Única de Rendimentos, Património, Interesses, Incompatibilidades e Impedimentos, entregue junto do Tribunal Constitucional, e que, quando teve conhecimento deste caso, “por uma questão de transparência, e preventivamente”, pediu primeiro um parecer à Direção de Serviços Jurídicos, Auditoria e Inspeção da Presidência do Conselho de Ministros e, posteriormente, ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República.
Ambos os pareceres foram no sentido de que não existir algum impedimento ao cônjuge da ministra da Coesão Territorial de apresentar uma candidatura a fundos comunitários e receber verbas aprovadas por não ser, “em princípio, alcançada pelo conceito de contratação pública”.
“Nada disto fiz porque tivesse dúvidas, repito, mas para que no escrutínio a que estamos sujeitos como governantes – e bem –, não restassem quaisquer dúvidas”, sublinhou.
Face “à falta de argumentos legais”, a ministra considerou que “nos últimos dias corre na praça pública um julgamento”, que “encontra refúgio na moralidade, na ética e em ataques de caráter”.
“Um julgamento moral que revela total desconhecimento sobre estes rigorosos mecanismos dos fundos europeus e que já se decidiu pela culpabilidade, independentemente das explicações e do entendimento da lei”, salientou.
A ministra considerou ainda que quem questiona “a lisura do processo”, alegando com o facto de as Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), que gerem os fundos comunitários, serem tuteladas pelo seu Ministério, desconhece os procedimentos.
Nomeadamente que estas entidades têm presidentes eleitos pelos autarcas de cada região e têm total autonomia nas decisões que tomam relativamente aos apoios que atribuem, sem depender, “como agora se fez crer em vários órgãos de comunicação, de qualquer análise prévia ou homologação da tutela”, escreveu.
Ana Abrunhosa destacou também que o projeto aprovado à empresa participada pelo seu marido – “com um apoio de 133 mil euros (e não as ‘centenas de milhares de euros’ referidos em algumas notícias)” – inseria-se num aviso de investigação e desenvolvimento, pelo que quem analisou o mérito da candidatura foi a Agência Nacional de Inovação, uma entidade que não é tutelada pelo Ministério da Coesão, “mas sim, em partes iguais, pelo Ministério da Economia e da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior”, e que “recorre sempre a um painel de peritos externos e independentes, com reconhecimento internacional”.
A ministra considerou que “poder candidatar-se a apoios europeus é um direito que todos os cidadãos e empresas têm”, pelo que o seu marido, “cidadão e empresário, jamais poderá ser privilegiado por ser casado” com uma ministra, “mas também não deveria ser prejudicado por essa mesma realidade”.
“Se não for assim, e se de facto se considerar justo que familiares de governantes fiquem inibidos de direitos, como o de apresentarem candidaturas a apoios europeus que estão disponíveis a todos os portugueses e em cujos processos de decisão os governantes não têm qualquer participação, então é necessário mudar a lei. Tenhamos presente que, se isso acontecer, estaremos a ampliar ainda mais um quadro de supressão de direitos e a alimentar um clima de desconfiança e permanente suspeita sobre a classe política, tornando ainda mais difícil trazer pessoas competentes para o serviço público”, alertou.
Questionada hoje pelos jornalistas, à margem da apresentação do Estudo de Viabilidade, Técnica e Ambiental da linha ferroviária do Douro, que decorreu em Freixo de Espada à Cinta, no distrito de Bragança, Ana Abrunhosa remeteu para este artigo no Público.
“Tudo o que eu tinha a dizer, já escrevi”, disse a ministra da Coesão.
“Tudo o que tinha a dizer já disse e o senhor primeiro-ministro já respondeu na Assembleia da República”, acrescentou, quando questionada sobre se se sente confortável em continuar no Governo.