No Queen’s Head, junto a Picadilly Circus, um dos locais mais emblemáticos do centro de Londres, a televisão estava desligada à hora do discurso, sem qualquer sinal de que houvesse intenção de a ligar: “Não costumamos transmitir essas coisas”, disse uma empregada à Lusa.
No King’s Head ("Cabeça do Rei"), em Picadilly, as palavras de Carlos III ficaram abafadas pelo som dos copos de cerveja a tocar nas mesas e das vozes ruidosas dos clientes que iam olhando para a televisão, mas não se calaram enquanto o monarca falava.
Carlos III falava já há mais de um minuto quando os empregados do ‘pub’ se aperceberam de que o Rei estava no ecrã e subiram o som da televisão.
Apesar de o nível de ruído ter diminuído, as palavras de Carlos III não chegaram a ser percetíveis, para desespero de Ben Muldoon, que pegou no telemóvel e o colou ao ouvido para ouvir o discurso.
Ben tinha chegado ao ‘pub’ mais de meia hora antes do início da declaração do Rei, às 18:00 locais (a mesma hora em Lisboa), e antes de se sentar numa das mesas mais próximas da televisão, garantiu junto dos empregados de que se ouviria o discurso de Carlos III, o sucessor de Isabel II, que morreu na quinta-feira, aos 96 anos, após um reinado de 70 anos.
“As pessoas seguem com a sua vida e ainda temos um longo luto. Penso que quando houver uma declaração mais formal, depois da coroação do novo Rei, as pessoas vão dar mais atenção”, disse à Lusa, sem conseguir disfarçar alguma desilusão com o pouco interesse dos outros clientes do ‘pub’.
Apesar do percalço, conseguiu ouvir a declaração, que achou “muito boa”, por transmitir uma ideia de “continuidade natural” entre os herdeiros da coroa britânica e “uma transição suave” entre monarcas.
Ben Muldoon tinha estado com um amigo nas imediações do Palácio de Buckingham, residência oficial em Londres dos reis de Inglaterra, para homenagear Isabel II, como milhares de pessoas estão a fazer desde quinta-feira, e escolheu um ‘pub’ na zona para ouvir Carlos III, mas não contava que boa parte da clientela fossem estrangeiros e turistas, que não se calaram quando o Rei falou.
Foi o caso de um casal de belgas na mesa ao lado daquela em que se sentou Ben, que disse à Lusa que nem se tinha dado conta de que o novo Rei britânico tinha estado a falar na televisão.
Uma das mesas mais ruidosas estava ocupada por seis lituanos, todos a viver em Londres há mais de 20 anos.
“Estivemos há bocado no Palácio de Buckingham, respeitamos muito a morte da Rainha, mas a vida não parou, continua, e temos de admitir que 96 anos é muito”, disse à Lusa Irmis, um dos elementos do grupo, acrescentando que “se o pessoal do ‘pub’ quiser pôr a transmissão” do discurso do Rei na televisão, “tudo bem”.
Também ele nem se deu conta de que Carlos III já havia falado.
Já no The Crown, também perto de Picadilly Circus, o momento foi solene.
Quando o discurso começou, o ‘pub’ ficou em silêncio, as atenções centradas na única televisão do estabelecimento, e no final os muitos clientes presentes irromperam num aplauso espontâneo.
“Estamos todos um pouco emocionados por perder a Rainha”, justificou Tim Kendall-Jones, um britânico de 57 anos, após a transmissão do discurso.
Orgulhoso da monarquia e da estabilidade que proporciona ao Reino Unido, sublinhou o facto de “todos estarem silenciosos e respeitosos” quando o novo monarca falou.
“Todos se calaram para ouvir, não é algo comum num ‘pub’ londrino”, disse, por seu lado, Michael Carr, que tomava uma ‘pint’ de cerveja com a mulher, Samantha, após o discurso.
De pé junto à televisão, Bernardine Hunt ouviu com atenção o primeiro discurso do Rei, que considerou “muito emocional, muito sentido”.
“Pareceu vir do coração”, disse.
Para Carr, “britânico de toda a vida”, o discurso, em que o novo Rei “disse tudo o que era preciso”, mostrou que Carlos III está pronto para assumir o trono para o qual foi preparado desde que nasceu.
“O Carlos nem sempre foi o mais popular na família real, mas penso que está pronto. (…) Nunca pensei dizer isto, mas acho mesmo que está pronto”, disse, mostrando-se confiante de que o povo o apoiará: “Por causa do amor que têm por ela [Rainha Isabel II], penso que as pessoas querem que ele tenha sucesso”.
Carr destacou ainda o facto de a Rainha Isabel II ter morrido pacificamente dois dias após cumprir “a sua mais importante função”, ao dar posse à nova primeira-ministra britânica, Liz Truss, na terça-feira.
“Foi como fechar um ciclo. Foi muito poético”, sublinhou.
O Rei Carlos III falou hoje pela primeira vez à nação, numa mensagem gravada e transmitida pela televisão, recordando com emoção a mãe.
A Rainha Isabel II morreu aos 96 anos no Castelo de Balmoral, na Escócia, após mais de 70 anos do mais longo reinado da história do Reino Unido.
Após a morte da monarca, o seu filho primogénito assume aos 73 anos as funções de rei como Carlos III, sendo confirmado no sábado.