Michelle Bachelet advertiu de que a realização dessas execuções, que seriam as primeiras no país desde 1990, “não só violaria o direito à vida como reduziria mais ainda as hipóteses de uma reconciliação política”.
“Lanço um apelo urgente às autoridades militares para que se abstenham de um procedimento tão retrógrado”, declarou a responsável no Conselho dos Direitos Humanos da ONU.
A junta no poder em Myanmar (antiga Birmânia) desde o golpe de Estado militar de 01 de fevereiro de 2021 anunciou a 03 de junho que iria executar numa data já definida quatro pessoas, duas das quais opositores políticos condenados à morte por “terrorismo”: Phyo Zeya Thaw, ex-deputado do partido da antiga dirigente civil Aung San Suu Kyi, e Kyaw Min Yu, também conhecido como Ko Jimmy, um famoso ativista pró-democracia.
A junta birmanesa condenou à morte dezenas de ativistas que se mobilizaram contra o golpe de Estado, no âmbito de uma feroz repressão dos protestos que se seguiram ao golpe, mas o país não executava ninguém há mais de 30 anos.
Bachelet repetiu, no seu discurso perante o Conselho sobre a situação dos direitos humanos em Myanmar, as conclusões do Alto-Comissariado que, num relatório, acusou em meados de março o exército birmanês de ter cometido violações do direito internacional, algumas das quais “poderão configurar crimes de guerra e crimes contra a humanidade”.
“Aquilo a que estamos atualmente a assistir é à utilização sistemática e generalizada de manobras táticas contra os civis”, sublinhou.
Segundo a Alta-Comissária, pelo menos 1.900 pessoas foram mortas pelo exército desde o golpe e mais de 13.500 foram detidas de forma arbitrária, entre as quais políticos, jornalistas e advogados.
“Mais de 10.500 continuam presas”, precisou.
A violência pós-golpe de Estado desencadeou a fuga da população, estimando-se agora que exista no país mais de um milhão de deslocados e um total de 14 milhões de pessoas a precisar de ajuda humanitária de emergência, segundo a ONU.
Bachelet indicou hoje que, desde a divulgação em março do relatório, a situação dos direitos humanos “continuou a degradar-se rapidamente” e que “a violência indiscriminada em Myanmar se intensificou”.
A responsável denunciou em particular “a tática bem documentada do exército de incendiar aldeias inteiras, complexos residenciais, escolas, lugares de culto e outros, protegidos nos termos da legislação humanitária internacional”, estimando em 11.000 esses locais.
Apelou para o fim imediato das práticas que consistem em “tomar os civis como alvo e incendiar as aldeias” e expressou igualmente preocupação com relatos de que a junta “está a tentar militarizar comunidades inteiras”.
Insurgiu-se também contra a continuação da perseguição da minoria muçulmana rohingya, com “severas e discriminatórias limitações à sua liberdade de movimentos” que levaram ao encarceramento de “mais de 300 rohingyas”.
Considerando “extremamente dececionante” constatar a ineficácia dos esforços internacionais para travar a violência do exército, Michelle Bachelet apelou a todos os Estados membros da ONU para “intensificarem as suas pressões sobre os dirigentes militares” de Myanmar.
Lusa