Na letra da queixa de Berardo, os bancos em causa teriam lesado quer a Fundação com o nome do empresário, quer a Metalgest, por não terem esclarecido o próprio risco no momento da aquisição de ações via crédito.
Oitocentos milhões de euros serviriam para compensar a Fundação Berardo por esta ter ficado “despojada” para fazer face a dívidas à banca. Outros 100 milhões destinar-se-iam a reparar alegados danos decorrentes da “denegrição pública da imagem de Berardo como empresário e como pessoa, agressão dolosa à sua personalidade e a toda a sua obra de enorme alcance económico, cultural e social e consequente indescritível sofrimento e profunda depressão, com reflexos de dramático agravamento do seu processo de envelhecimento físico e mental”.A ação de Joe Berardo deu entrada no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa.
Nesta ação, à qual a RTP teve acesso, Berardo diz-se enganado “acerca das circunstâncias relativas à situação interna dos bancos – especialmente o BCP – e do sistema financeiro português, em que a Fundação contraiu empréstimos para a aquisição de participação qualificada no BCP”, responsabilizando os visados por não terem cumprido “a obrigação” de “executar na altura devida” as ações que serviam de garantia de empréstimos e que se desvalorizaram.
Berardo alega já não ter qualquer dívida por cobrir, isto “por terem já sido vendidas as ações do BCP empenhadas e aplicado o produto da venda no pagamento dos créditos dos bancos”.
O empresário diz-se mesmo vítima de “uma verdadeira subversão da realidade, manipulada pelos bancos, ao serviço da sua desresponsabilização e em conluio com o Estado, ao serviço da ilegítima pretensão de apropriação da Coleção Berardo”.
“Alvo a abater”
Joe Berardo argumenta, na mesma ação, que não pretendeu “transportar para os tribunais questões de grande melindre para os bancos e para o próprio Banco de Portugal”. Razão pela qual, afirma, decidiu preservar a via negocial.
“Nessa negociação, que se manteve mesmo depois da instauração de execuções pelos bancos, foi alcançado um princípio de acordo, que teve expressão num documento produzido pelo Novo Banco e que mereceu, no essencial, o consenso do comendador e dos bancos, devendo constituir a base do acordo a formalizar”, lê-se na ação agora interposta.
Tal acordo terá falhado, de acordo com a argumentação da Ação Declarativa Constitutiva e de Condenação, porque Berardo se tornou um “alvo a abater” na sequência da sua audição na Assembleia da República, que, contra a vontade do empresário, decorreu publicamente: “Um inadmissível ato de deslealdade” por parte do presidente da comissão parlamentar de inquérito.
Berardo diz ter sido alvo de um “julgamento popular, sem relevância para apurar responsabilidades de gestão da CGD e das razões da recapitalização”. O que teria resultado na convicção, entre a opinião pública, da sua responsabilidade nas perdas das instituições bancárias. O empresário assinala ter pago “aos bancos mais de 230 milhões de euros”, acrescentando que tenciona “concluir a negociação para pagar tudo o efetivamente devido”.
“As manifestações de Joe Berardo foram completamente desvirtuadas e transformadas em falta de respeito a quem, na realidade, pelos comportamentos adotados em relação a ele, não merecia respeito nenhum”, lê-se na ação. O que teria sido concretizado, em sede de comissão parlamentar de inquérito, “ao serviço da criação de um bode expiatório”. Designadamente ”um empresário que nada deve a Portugal e a quem Portugal tanto deve num mero capitalista com habilidade para fugir ao pagamento de empréstimos da banca, com reflexos diretos no bolso dos contribuintes, que pagam os défices e prejuízos dos bancos”.
“Conluio”
Ao longo das 97 páginas da ação, é desfiado o percurso do empresário, desde logo a filantropia, através da Fundação Berado e das coleções de arte – Coleção Berardo, Aliança Underground, Sintra Museu de Arte Moderna, Monte Palace Madeira, BAM, Museu do Azulejo, B-MAD e Palácio Bacalhoa.
Joe Berardo sugere que haveria um “plano mais completo” definido entre banca e ministérios da Cultura, da Justiça e das Finanças – um “conluio”, alega – com vista a tomarem posse das suas obras de arte.
“O próprio governo, com o maior despudor e certamente em entendimento com os bancos, assume como certo e seguro que a Coleção Berardo, arrestada, está nas mãos dos bancos, com os quais trata de arquitetar a respetiva apropriação”.
Na ação recorda-se que a coleção de arte se encontrava “dada em comodato ao Estado e que o Estado não quis comprar pelo justo valor”.
“A ofensa é tanto mais grave e sentida quanto é certo que a então ministra justifica as ações a tomar (que manteve secretas) pela realização precisamente dos objetivos de garantir a integridade, a não-alienação e fruição pública das obras da Coleção, estabelecendo como a primeira prioridade o afastamento de JB [Joe Berardo], e são esses mesmos objetivos os que estão assegurados ao Estado pelos acordos existentes com JB, que, ao celebrá-los, visou declaradamente prosseguir esses objetivos”.