Segundo a agência Associated Press, o testemunho do cardeal Angelo Becciu poderá ter sérias implicações para o Vaticano e a Igreja Católica, já que apresentou provas de que o Papa estaria disposto a pagar um resgate a radicais islâmicos para libertar a religiosa, que acabou por ser libertada no ano passado.
O pagamento de resgates raramente é confirmado, precisamente para dissuadir sequestros futuros, e não se sabe quanto dinheiro – ou se algum dinheiro – acabou nas mãos dos extremistas.
Becciu, que foi um dos principais conselheiros do Papa enquanto número dois da secretaria de Estado do Vaticano, reteve o seu testemunho do tribunal do Vaticano por quase dois anos por se tratar de uma questão de Estado e segredo pontifício.
No entanto, hoje falou em sua defesa, após Francisco o ter libertado da exigência de confidencialidade, prestando o testemunho mais antecipado do julgamento, que decorre há um ano.
O cardeal é uma das 10 pessoas acusadas no extenso julgamento de fraude financeira do Vaticano, que teve origem no investimento de 350 milhões de euros da Santa Sé numa propriedade de Londres e se alargou a outros alegados crimes.
O Ministério Público acusa os réus de uma série de crimes por supostamente espoliarem a Santa Sé de milhões de euros em taxas, comissões e maus investimentos.
Becciu, o único cardeal em julgamento, é acusado de peculato, abuso de poder e manipulação de testemunhas, mas nega todas as acusações.
Hoje, o cardeal falou sobre o seu relacionamento com uma especialista em serviços de informações italiana que também está a ser julgada por acusações de peculato, Cecilia Marogna.
Marogna disse aos ‘media’ italianos que ajudou a negociar a libertação de reféns católicos em África em nome da Santa Sé.
Os procuradores do Vaticano acusam-na de desviar meio milhão de euros, citando registos bancários que mostram transferências do Vaticano para fins humanitários não especificados e gastos em bens de luxo.
Becciu disse hoje que contratou Marogna como consultora externa na sequência do rapto, em fevereiro de 2017, da religiosa colombiana Gloria Cecilia Narvaez, no Mali.
Explicou que, após pedidos de ajuda do núncio na Colômbia e da congregação de Narvaez, levou o assunto ao Papa e a Marogna, que o aconselhou a contratar a empresa britânica de segurança Inkerman para garantir a libertação da freira.
Becciu disse que Francisco o autorizou a avançar com a operação Inkerman e o proibiu de falar do assunto, incluindo ao chefe da polícia do Vaticano.
Francisco estava preocupado com a segurança e as implicações para a reputação do Vaticano se o assunto fosse público, disse Becciu.
Becciu disse que se reuniu, juntamente com Marogna, com responsáveis da Inkerman em Londres, em janeiro de 2018, e que estes lhes disseram que os gastos poderiam ascender a um milhão de euros e não havia garantias de sucesso.
Como o Vaticano queria ficar à margem, Marogna tornou-se intermediária, recebendo pagamentos periódicos do Vaticano, disse, acrescentando que manteve o Papa informado de todo o processo.
“Devo dizer que todos os passos desta operação foram acordados com o Santo Padre”, sublinhou Becciu.
Narvaez foi libertada em outubro de 2021, após mais de quatro anos de cativeiro e pouco depois encontrou-se com o Papa no Vaticano.