“A proposta de lei, no conjunto das suas disposições, introduz um regime jurídico muito restritivo dos direitos fundamentais dos cidadãos, em especial dos direitos ao respeito pela vida privada e familiar e ao direito à proteção de dados pessoais, suscetível de afetar o conteúdo essencial do direito ao respeito pela vida privada, ao permitir a vigilância em massa no espaço público e nos espaços privados de acesso ao público”, refere a CNPD, num parecer pedido pela Assembleia da República.
A proposta que regula a utilização de sistemas de vigilância por câmaras de vídeo pelas forças e serviços de segurança prevê o alargamento do uso destas tecnologias pelas polícias, nomeadamente o uso de câmaras nos uniformes, as chamadas ‘bodycams’, além da visualização e tratamento de dados por um sistema de gestão analítica e captação de dados biométricos.
O parlamento aprovou na generalidade a proposta do executivo a 08 de outubro, estando agora a ser discutida na comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdade e Garantias, que solicitou pareceres a várias entidades.
No parecer, a CNPD destaca que, por traduzirem restrições a direitos, liberdades e garantias e em “violação grosseira do princípio da proporcionalidade, se afiguram ser inconstitucionais” algumas normas, como o uso de ‘bodycams’, captação de imagens sem gravação, recolha e tratamento de dados e utilização de câmaras portáteis em ‘drones’, navios e embarcações.
“Os termos amplos e imprecisos com que vem prevista a utilização, pelas forças e serviços de segurança, de sistemas de vigilância através de câmaras fixas e câmaras portáteis – estas últimas podendo estar incorporadas em ´drones´ e nos equipamentos dos agentes (bodycams)-, indefinidamente para qualquer das finalidades admitidas na proposta, com a possibilidade generalizada de utilização de tecnologias de inteligência artificial e de reconhecimento facial, não cumpre as exigências mínimas num estado de direito democrático para a restrição legislativa de direitos fundamentais”, lê-se no parecer.
A CNPD frisa também que ao longo do diploma preparado pelo Ministério da Administração Interna (MAI) existe a “opção pelo aligeiramento do regime da videovigilância para fins policiais”.
Este organismo sublinha que “a utilização de equipamentos e tecnologias potenciadoras do impacto da utilização de câmaras de vídeo não vem prevista para específicas finalidades, parecendo ser indiferente para o legislador nacional se aqueles são usados para prevenir ou reprimir o crime ou para prevenir ou reprimir uma qualquer perturbação menor da ordem pública”.
A CNPD precisa que esta situação se verifica quantos aos drones, ‘bodycams’ e às tecnologias de analítica de dados ou de reconhecimento facial.
A Comissão Nacional de Proteção de Dados considera também que “os procedimentos excecionais e especiais proliferam, deixando às próprias forças e serviços de segurança a decisão de utilizar câmaras portáteis sem qualquer controlo prévio independente e sem um efetivo controlo independente”.
A CNPD propõe ainda um debate “profundo e alargado” das diferentes disposições legais, tendo em conta o impacto que a proposta de lei tem nos direitos fundamentais dos cidadãos e “as deficiências estruturais que apresenta na pretensa regulação de tratamentos de dados pessoais altamente restritivos de direitos, liberdades e garantias”.
Quando a proposta foi apresentada pelo Governo no parlamento, os partidos da oposição lamentaram que o MAI não tenha pedido um parecer à Comissão Nacional de Proteção de Dados sobre a nova lei de videovigilância.
Em dois outros pareceres enviadas ao parlamento, O Ministério Público (MP) e a Ordem dos Advogados colocaram algumas reservas à proposta, com o MP a alertar para possibilidade de ser considerada inconstitucional.