"A Europa insiste muito em tudo o que fez para ajudar os africanos a combater a pandemia. Não podemos negar que houve um aumento brutal da ajuda humanitária europeia em direção aos países africanos para a covid-19. O que não se diz é que não houve um euro adicional", disse Carlos Lopes.
O Alto-Representante da UA para as Parcerias com a Europa falava hoje na conferência "Segurança e Desenvolvimento. Desafios para Portugal, Europa e África", promovida em parceria pelo Centro de Estudos Internacionais do ISCTE e pelo Instituto da Defesa Nacional no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia.
"Esse dinheiro estava destinado a projetos e programas de desenvolvimento, fundamentais para sair da crise, e o facto de ter havido um desvio gigantesco de verbas para a ajuda humanitária, nomeadamente para a compra de vacinas [através do mecanismo] Covax, significa que o dinheiro foi para as farmacêuticas e não para o desenvolvimento africano", defendeu.
Apesar de serem os menos infetados com covi-19, os africanos serão os "mais sacrificados do ponto de vista económico" considerou o economista guineense, antecipando os impactos da falta de vacinas na mobilidade futura das populações do continente.
"Vão ter uma mobilidade muito restringida porque vai ser apenas alargada a quem está vacinado. Os africanos vão ser considerados como uma ameaça por não estarem vacinados", disse.
Por outro lado, assinalou, não têm os mecanismos de política monetária, nomeadamente a capacidade de imprimir dinheiro, "para responder ao relançamento das economias".
"Portanto, em vez de acertarmos agulhas do ponto de vista dos problemas sistémicos, somos relegados sempre à condição de não podermos fazer as mesmas políticas", disse, dando como exemplo "o debate atual" sobre a ajuda a África com 34 mil milhões de dólares de direitos de tiragem especial do Fundo Monetário Internacional (FMI).
"Os direitos de tiragem especial são de 650 mil milhões, 34 mil milhões vão para África, e o restante para países que já têm outros estímulos e outras capacidades. No conjunto dos programas do FMI, a disponibilidade é de um trilhão de dólares, os africanos receberam até agora 23 mil milhões", disse.
Para o economista, os problemas sistémicos são atirados "para debaixo do tapete" e existe "toda uma propaganda à volta da ajuda humanitária", mas o dinheiro fica nos países onde se produzem vacinas e equipamentos médicos.
Por outro lado, assinalou, na questão do levantamento das patentes das vacinas, já foi possível convencer a China e os Estados Unidos a aderirem ao movimento pela liberalização da produção, mas ainda "não foi possível convencer a Europa".
C/Lusa