Em março do ano passado, a pandemia obrigou os jovens a pôr em pausa a adolescência e a mensagem inicial de que ia ficar tudo bem, depressa foi sendo substituída pela incerteza de quando regressariam à normalidade.
A combinação contranatura entre a adolescência e o confinamento que foi marcando o último ano tem custos para a saúde mental dos jovens e, de acordo com especialistas ouvidos pela Lusa, os efeitos já são visíveis.
“Há neste momento já muita investigação que associa os períodos de confinamento a várias manifestações de mal-estar e mesmo de sofrimento psicológico, e esse mal-estar é tanto maior quanto maiores forem os períodos de confinamento”, explicou Margarida Gaspar de Matos, psicóloga especializada em jovens.
O sentimento de cansaço, saturação e vontade de voltar aos tempos pré-pandemia é comum à generalidade das pessoas, mas nestas idades acresce o defraudar de expectativas.
“A própria noção de adolescência expressa em quase tudo o oposto da palavra “confinar”. Ser adolescente é poder crescer, expandir, sair, ir mais longe das quatro paredes da casa paterna, viver amizades e inimizades, sentir paixões, gerir sentimentos”, sublinhou, por outro lado, Pedro Strecht.
Muito disso foi suspenso pela pandemia. Felizmente, acrescenta o pedopsiquiatra, valeram a muitos jovens as redes sociais e os telemóveis, que frequentemente os adultos contrariavam.
Através desses meios, foi possível “manter vivas as amizades, a partilha de emoções e sentimentos, enfim, uma pequena noção de ‘vida’ entretanto suspensa durante demasiado tempo”.
“Tempo esse ainda para mais sofrido na incerteza do seu fim, do medo de ser contaminado ou contaminar alguém”, relatou Pedro Strecht, recordando conversas com jovens que lhe transmitiam precisamente esses receios.
Em menos de um ano, os jovens passaram por dois períodos de cerca de três meses em confinamentos devido à pandemia da covid-19 e a experiência do primeiro, na opinião do especialista, não tornou o segundo mais fácil.
“Observei muito mais tensão, ansiedade, angústia, desmotivação escolar, alterações do humor reativas ao isolamento social”, explicou, admitindo que este período possa deixar marcas mais prolongadas.
Por outro lado, Margarida Gaspar de Matos acredita que os jovens terão facilidade em ultrapassar este período e discorda até da ideia de que muitos poderão pensar numa “adolescência perdida”.
“Não é provável que seja assim tão global e dramático, e muito menos tão permanente”, disse a psicológica, considerando que, ainda assim, será importante ter atenção a quaisquer sinais que evidenciem casos mais preocupantes.
E aí os dois especialistas concordam em sublinhar o papel das famílias e das escolas que, por sua vez, já notam os impactos do confinamento.
“Há muita ansiedade pelo facto de estarem em casa há muito tempo. Alguns deles estiveram em casa mais durante mais de 90 dias úteis de aulas” desde o início da pandemia, relatou Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Diretores de Agrupamentos e Escolas Públicas (ANDAEP).
“Isto criou neles um certo sentimento de alguma desesperança, por verem a sua juventude a passar sem fim à vista”, disse por seu turno Jorge Ascenção, representante dos pais, referindo que muitos tinham idealizado planos que não se puderam concretizar, sendo alguns dos quais oportunidades que não se repetem.
Por outro lado, tudo isto acaba também por se refletir no desempenho escolar.
“Já se está a refletir, provocando em muitos desinvestimento e desinteresse, noutros uma maior ansiedade e angústia de desempenho. Aliás, desde o primeiro confinamento que isso é visível”, referiu o pedopsiquiatra Pedro Strecht.
C/Lusa