“Há muitas pessoas que têm um problema grave, que passa por não conseguirem encarar os filhos e dizer-lhes que estão a passar dificuldades”, explicou à Lusa Carlo Martins, responsável pela iniciativa.
Com tantos pedidos feitos "às escondidas", acrescentou, há muitas crianças e jovens que “não têm noção do que se está a passar”.
O projeto social “Hotelaria madeirense ajuda a nossa ilha” começou há cerca de um ano, com cinco profissionais do setor hoteleiro – cozinheiros e empregados de mesa e bar que, à conta da pandemia de Covid-19, ficaram desempregados ou em ‘lay-off’.
Carlo Martins lembrou que, em março de 2020, houve um “nicho que ficou desamparado à conta da pandemia” e várias pessoas que beneficiavam de ajudas sociais deixaram de recebê-las.
A ideia surgiu num sábado e, na segunda-feira seguinte, o grupo, que “tirou dinheiro do próprio bolso”, confecionou 20 refeições. O número escalou para 100 na semana seguinte e, depois, para 200 diárias durante três meses, o que perfez um total de 15.000.
O grupo passou de cinco pessoas para 50, para dar resposta a uma logística que, segundo o impulsionador do projeto, era “idêntica a um departamento de F&B de um hotel” (abreviatura para ‘food and beverage’, que significa alimentação e bebidas). Tudo “foi produzido com artigos doados pelos madeirenses”, sem ligações a uma instituição ou órgão governamental.
O grupo de trabalho funciona como uma ‘task-force’ e, apesar de já não produzir refeições, continua a “dar apoio à população do Caniço, Funchal e Câmara de Lobos, além de algumas áreas da costa norte”.
Segundo Carlo Martins, a Casa do Povo do Caniço disponibilizou um espaço que serve de armazém para as doações e o papel dos voluntários do Caniço tem sido fundamental, pois “ninguém descansa quando surge uma emergência social, até que esteja resolvida”.
“Nos últimos meses, surgiram seis vítimas de violência doméstica que precisaram de ser recolocadas e, em 72 horas, conseguimos mobilar casas inteiras. Acho que ninguém tem noção do que isto quer dizer”, sublinhou.
Questionado sobre a situação que mais o sensibilizou, não hesitou em contar a história de uma “mãe guerreira” que vendeu tudo para tomar conta do filho, em tratamento no Porto: “Quando regressou não tinha nada, mas conseguimos rapidamente mobilar a casa toda”.
Maria do Carmo Ornelas, professora reformada e uma das voluntárias do projeto, explicou que a ajuda através de cabazes “chega a 166 pessoas, das quais 38 são crianças”. Os voluntários já conhecem a grande maioria das pessoas que pedem ajuda e que sentem como parte da família.
“Muitas pessoas já confiam em nós, não só por sermos aqueles que lhes dão alimentação, mas também como uma pessoa de família em quem eles confiam”, frisou.
Nelson Freitas, funcionário público que trabalha há mais de 25 anos com Casas do Povo, explicou que, quando as pessoas “pedem apoios governamentais, já estão a chegar ao limite”, pelo que a ajuda desta iniciativa é fundamental – permite colmatar o espaço temporal até que possam usufruir do apoio institucional.
O funcionário público ressalvou o aumento de pedidos de ajuda com o decorrer da pandemia, explicando que “desde março poderiam surgir até seis pedidos de ajuda por semana, mas agora são entre 15 e 20”.
A iniciativa, reconhecida entretanto como uma instituição particular de solidariedade social, já tem contribuinte, sublinhou Carlo Martins, revelando que passará a ser conhecida, já esta semana, como “Uma Ilha, um Povo”, até porque esta “foi desde sempre a filosofia”.
O objetivo, num futuro próximo, passará pela construção de uma aldeia comunitária para idosos e jovens com alguns problemas.
“A construção de uma aldeia comunitária, o mais verde possível, para que eles possam tomar conta das suas hortas, flores e animais. Queremos criar uma aldeia onde as pessoas se sintam úteis e em que exista uma comunidade que se apoie”, perspetivou.