Num relatório mundial sobre a crise alimentar relativo a 2018, publicado hoje em Bruxelas pela FAO, União Europeia (UE), Agência de Cooperação para o Desenvolvimento norte-americana (USAID) e por outros organismos de alto nível, a Venezuela não consta entre os 53 países no mundo em situação “de insegurança alimentar” grave, mas, segundo frisou Dominique Burgeon, essa situação irá mudar no ano corrente.
“A metodologia do relatório segue o sistema global de informação e aviso prévio sobre alimentação e agricultura (GIEWS, na sigla em inglês), que identifica os países que mais necessitam de assistência alimentar extrema e urgente”, explicou o diretor de emergências da FAO, manifestando-se "preocupado" com a situação na Venezuela, país produtor de petróleo que enfrenta há quatro anos uma intensa turbulência política e social.
"Recentemente, obtivemos os dados e sabemos que a Venezuela figura na lista de países” vítimas de fome em 2019, afirmou Dominique Burgeon.
Em 2018, o sistema “não identificou a Venezuela" como um desses países "porque não conseguimos ter todas as informações que permitiriam que o país constasse na lista”, acrescentou o representante.
O relatório hoje conhecido apenas analisou a situação dos cerca de 1,5 milhões de venezuelanos refugiados em três países (Colômbia, Equador e Peru), que integram os cerca de 3,4 milhões de venezuelanos refugiados registados em dezembro de 2018 pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR).
Dentro deste grupo, pelo menos 360 mil enfrentam uma situação de “crise alimentar aguda”, ou seja, estão na “fase 3” numa escala internacional composta por cinco níveis. Outros 600 mil refugiados venezuelanos encontram-se na “fase 2” (“sofrimento”).
Segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM), organismo que participa na recolha de dados, 30% dos migrantes venezuelanos na Colômbia (país que acolhe 1,1 milhão de refugiados oriundos da Venezuela), sofre de desnutrição.
A mesma situação é vivida por 38% dos 221.000 migrantes venezuelanos que procuraram refúgio no Equador e por 14% dos 500.000 refugiados venezuelanos no Peru, de acordo com os dados do PAM.
Apesar da falta de dados precisos sobre a situação alimentar na Venezuela, o relatório anual dedica duas páginas ao país.
“A maioria dos alimentos é importada, mas o colapso do bolívar [moeda local] cria dificuldades de importação. Em 2016-2017, as importações de alimentos caíram 67%”, observou o relatório.
Citando um inquérito nacional sobre as condições de vida da população venezuelana relativo a 2017, o relatório divulgado em Bruxelas apontou que 87% das famílias daquele país foram classificadas como “pobres”, um aumento bastante expressivo quando comparado com os valores de 2014 (48%).
A percentagem de famílias venezuelanas em extrema pobreza era de 61% em 2017, valor também mais expressivo do que os 24% verificados em 2014.
Na semana passada, um relatório da ONU alertou que quase um quarto (24%) da população venezuelana, cerca de sete milhões de pessoas, precisa de ajuda humanitária e que a desnutrição e as doenças estão a aumentar naquele país em crise.
A crise política na Venezuela agravou-se em 23 de janeiro, quando o opositor e presidente da Assembleia Nacional (parlamento), Juan Guaidó, se autoproclamou presidente interino e declarou que assumia os poderes executivos de Nicolás Maduro.
Cerca de 50 países, incluindo a maioria dos países da UE, entre os quais Portugal, reconheceram Guaidó como presidente interino da Venezuela encarregado de organizar eleições livres e transparentes naquele país.
Na Venezuela, a confrontação entre as duas fações tem tido repercussões políticas, económicas e humanitárias.
No território venezuelano residem cerca de 300.000 portugueses ou lusodescendentes.
Para avaliar a situação alimentar de um país, os peritos envolvidos na elaboração do relatório anual divulgado na capital belga analisam e cruzam um conjunto de dados que incluem, por exemplo, a produção agrícola, a saúde pública, o acesso à água potável, os movimentos populacionais e a taxa de mortalidade.
De acordo com o relatório internacional, mais de 113 milhões de pessoas em 53 países estavam à beira da fome, num estado de “insegurança alimentar aguda” em 2018, especialmente no continente africano.
Iémen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Etiópia, Síria, Sudão, Sudão do Sul e o norte da Nigéria são as zonas do mundo que estão a sofrer as piores crises alimentares, segundo o relatório.
Em 2017, o último nível da escala internacional relacionada com a crise alimentar ("fase 5", “catástrofe”) foi declarada em duas regiões do Sudão do Sul.
C/ LUSA