Um erro do piloto comandante, “em forçar a aterragem” a uma velocidade “bem acima” da estipulada na aproximação ao aeroporto de Lisboa, potenciado pela fadiga, levaram ao acidente com um avião da TAP, em 2016, concluiu a investigação.
Na noite de 22 de outubro, um ATR 72, operado pela White Airways, em nome da TAP Express, descolou do Porto para Lisboa, com 20 passageiros e quatro tripulantes. Na aterragem, o avião sofreu danos substanciais no trem de aterragem dianteiro, no trem principal esquerdo e em painéis da fuselagem dianteira, após embater quatro vezes na pista, sem causar feridos.
O relatório final do Gabinete de Prevenção e Investigação de Acidentes com Aeronaves e Acidentes Ferroviários (GPIAAF), a que a agência Lusa teve hoje acesso, aponta como causa provável para o acidente a decisão do piloto comandante “em prosseguir e forçar a aterragem, não cumprindo os critérios estabelecidos (…), com velocidade [de aproximação] bem acima da referência”.
Os investigadores frisam que a fadiga “poderá ter contribuído para o acidente ao afetar diretamente o desempenho” do piloto comandante, de 51 anos, que, nos seis voos da ponte aérea Lisboa/Porto (e vice-versa), realizados naquele dia, teve sempre a seu lado uma copiloto, de 26 anos.
Contactada pela Lusa, a TAP confirma que recebeu o relatório, o qual “está a ser objeto de cuidadosa análise”.
O relatório conta que a copiloto alertou o piloto comandante para a “velocidade excessiva” na aproximação para aterragem, mas este “não reagiu ao alerta nem seguiu o procedimento”. O GPIAAF diz que o comandante “forçou a aeronave (com o nariz para baixo) em velocidades acima das previamente calculadas e estabelecidas” no manual.
As condições de vento aquando da aterragem “estavam dentro dos limites estabelecidos” nos manuais de voo e de operações.
Segundo o GPIAAF, “o incorreto manuseio da aeronave e deficiente técnica de aterragem”, resultou numa aterragem ‘aos saltos’, e a decisão de continuar com a aterragem após o primeiro contacto com a pista, com velocidade do ar acima da velocidade calculada, “resultou numa conhecida dinâmica de aterragem com danos consequentes para a aeronave”.
A investigação salienta que os pilotos conhecem o comportamento desta aeronave na fase de aterragem, durante a qual "é imprescindível e necessário o respeito pela velocidade de referência”.
O relatório final da investigação ao acidente refere que a tripulação realizava a "sexta etapa" do dia entre as duas cidades, com condições meteorológicas adversas. O primeiro voo iniciou-se às 13:00 em Lisboa, onde o oficial das operações forneceu, no briefing inicial, os documentos previstos para toda a operação (6 voos no total).
O ATR 72 descolou do Porto para o último dos seis voos às 20:47.
“A repetibilidade das tarefas na mesma rota levou os pilotos a efetuarem briefings parciais [incompletos] e, em alguns casos, realizados fora dos momentos previstos nos SOPs [procedimentos padrões do operador]. Foi ainda evidenciado cansaço em ambos os tripulantes, especialmente do PIC/PF [piloto comandante] durante todo o voo e que se veio a traduzir numa aparente apatia nos pós evento, levando o PIC alguns minutos a reagir ao acidente”, explica o GPIAAF.
A investigação salienta que "foram evidenciadas falhas nos procedimentos, provavelmente por tentativa de simplificação e precipitação de tarefas, eventualmente por fadiga".
O GPIAAF sustenta que a frota ATR 72 operada pela White Airways voa para destinos até cerca de duas horas, “sendo uma operação exigente e intensa na relação horas/ciclos realizados, tanto para os equipamentos como para as tripulações”.
“Embora o período de descanso anterior ao voo fosse adequado e o tempo de voo estivesse dentro dos limites de tempo de voo definidos pela empresa e na legislação, as seis pernas de voo podem ter reduzido os níveis de alerta dos dois pilotos. O desempenho degradado da tripulação de voo é consistente com os efeitos da fadiga. As ações e declarações do piloto indicaram que o seu conhecimento e compreensão da técnica de recuperação de aterragem saltada (aos saltos) da aeronave ATR 72 era insuficiente”, concluiu a investigação.
Para o GPIAAF, o número de tripulações disponíveis bem como a alocação das mesmas, tendo em conta as referidas rotas com alta frequência e com pernoita em muitos dos destinos, "tornam, de facto, a operação particular e exigente para as tripulações".
“Dos dados disponibilizados pelo operador relativos ao planeamento da operação, foi possível constatar que as tripulações, embora sem excederem consistentemente os tempos regulamentares, estavam sujeitas a um esforço significativo de disponibilidade para longas jornadas de trabalho. Não foi evidenciado pelo operador uma análise de risco à exposição continuada das tripulações a este tipo de operação e, tendo em conta, por exemplo, a relação hora ciclo voada, a operação continuada numa mesma rota (LPPT-LPPR – Lisboa-Porto) ou as pernoitas fora da base”, lê-se no relatório final do acidente.
LUSA