“O pressuposto de acionamento do fundo de recuperação de créditos é a existência de irregularidade generalizada e essa não encontramos. Se me pergunta se, em face daquilo que temos, é acionável o fundo de recuperação de créditos, como foi acionado para o BES, eu diria que não”, afirmou Gabriela Figueiredo Dias, no parlamento, na comissão de Orçamento e Finanças, em resposta ao CDS-PP.
Contudo, acrescentou a presidente do regulador dos mercados financeiros, não significa que não sejam encontrados outros mecanismos de compensação para os lesados do Banif.
“Se é possível conceber outras soluções, se é possível recorrer a outros caminhos, isso é uma coisa que eu não posso fechar”, afirmou.
No início desta audição parlamentar, a presidente da CMVM tinha dito que as “conclusões possíveis" da investigação à venda de produtos financeiros pelo Banif – trabalho encetado pelo regulador no ano passado após a chegada de cerca de 1.500 reclamações de clientes que se consideram lesados e vítimas de vendas fraudulentas (‘misselling’) – confirmam a “existência de casos de vendas agressivas, em particular em algumas emissões de dívida, mas não permitem a identificação de evidências de prática generalizada de comercialização irregular de produtos financeiros”.
Já nas respostas aos deputados, Gabriela Figueiredo Dias explicou que a CMVM “não pode afirmar que não houve situação de ‘misselling’ generalizado” no Banif, mas apenas de que “não há evidência de que houve ‘misselling’ generalizado”.
Isto porque “há constrangimentos no acesso à informação e dados" que não permite que "a amostra de supervisão seja completamente fidedigna”, pelo que as conclusões se baseiam apenas na evidência dos documentos consultados e entrevistas a ex-trabalhadores do Banif e clientes.
Para o futuro, a presidente da CMVM falou hoje na necessidade de se definir como se faz a conservação de informação em casos de resoluções bancárias, para que os supervisores possam atuar. Seria importante, nomeadamente, conservar caixas de ‘emails’ das áreas de ‘marketing’ e mensagens da administração aos trabalhadores.
No caso do Banif, explicou, a desagregação da informação e o tempo decorrido desde então impediu acesso a muitos dados, com “informação em servidores que já não são acessíveis” ou “informação em ‘clouds’ [nuvens] que entretanto foram apagadas porque os contratos acabaram”.
Em dezembro de 2015, o Banif foi alvo de uma medida de resolução, por decisão do Governo e do Banco de Portugal, tendo desde então milhares de clientes afirmado-se lesados pelo banco.
A ALBOA – Associação de Lesados do Banif tem dito várias vezes que entre os lesados estão muitos clientes de poucas habilitações que, persuadidos pelos comerciais do banco, transferiram poupanças de depósitos para obrigações e dá mesmo como exemplo “situações vividas nos Açores, onde testemunhas referem que os comerciais bancários se deslocaram com frequência até aos campos de pastorícia de gado" para venderem as obrigações.
São estes lesados que, desde então, pedem uma solução que os compense das perdas sofridas, à semelhança da encontrada para os lesados do papel comercial vendido pelo BES, pelo que seria importante para a sua causa a prova de que houve vendas fraudulentas (‘misseling’) no Banif.
Em maio, o primeiro-ministro disse na Madeira que se a CMVM declarar que houve práticas incorretas no caso do Banif o Governo vai tratar a situação dos lesados.
“Se houver apreciação no mesmo sentido relativamente aos lesados do BES, trataremos as pessoas com o mesmo princípio de igualdade, que deve ser respeitado”, declarou então António Costa em conferência de imprensa, após a reunião com o presidente do Governo Regional da Madeira.
“O Governo não se pode substituir à CMVM nessa declaração”, vincou.
Entre os lesados do Banif estão 3.500 obrigacionistas, em grande parte oriundos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores, mas também das comunidades portuguesas na África do Sul, Venezuela e Estados Unidos, que perderam 263 milhões de euros.
Além destes, há ainda a considerar 4.000 obrigacionistas Rentipar (‘holding’ através da qual as filhas do fundador do Banif, Horácio Roque, detinham a sua participação no banco), que investiram 65 milhões de euros, e ainda 40 mil acionistas, dos quais cerca de 25 mil são oriundos da Madeira.
Após a resolução do Banif, parte da sua atividade foi adquirida pelo Santander Totta por 150 milhões de euros, tendo sido ainda criada a sociedade-veículo Oitante, para onde foi transferida a atividade bancária que o comprador não adquiriu.
Na segunda-feira, o Banco de Portugal anunciou que pediu o início da liquidação judicial do Banco Internacional do Funchal (Banif), na sequência da revogação pelo Banco Central Europeu (BCE) da autorização para o exercício da atividade de instituição de crédito.
LUSA