Apesar de ter tido a ideia original, a Marinha não ficou com a patente do conceito – só isso levaria vários milhões de euros – e a empresa que ganhou o concurso para a construção do navio, a holandesa Damen, já tem manifestações de interesse por parte de outras marinhas europeias.
No dia em que assistiu, nos estaleiros da Damen, na Roménia, ao corte da primeira chapa, o chefe da equipa de Acompanhamento e Fiscalização da Construção, engenheiro naval Barbosa Rodrigues, destacou a rapidez com que o navio vai poder ser modificado para diferentes tipos de missões.
Esta Plataforma Naval Multifuncional, de construção modular, é um “navio `transformer´? O engenheiro naval não rejeitou a descrição e acrescentou, em Galati, que basta uma semana para modificar o navio e adaptá-lo a outra missão.
“Em uma semana podemos tirar muitos sistemas que estão implementados e trocá-los por outros, dando novas capacidades para que ele consiga sair”, disse o chefe da equipa que fez os primeiros cálculos, passando para o papel a ideia que o almirante Gouveia e Melo começou a construir há sete anos.
À Lusa, o engenheiro Barbosa Rodrigues explicou por que é que preferia que o D. João II não ficasse conhecido como o “porta-drones”. É que, apesar de ter essa capacidade, não é essa a sua única valência.
“Não existe um navio igual noutras marinhas, é um projeto disruptivo”. Há navios de guerra, navios científicos, navios logísticos. Este, não sendo nenhum daqueles, faz um pouco de tudo. Eles perceberam que este navio tem futuro”, afirmou, em declarações à Lusa.
Com capacidade logística, estará apetrechado para ações de resgate de pessoas e para vigilância e monitorização do mar mas poderá também realizar missões de interesse científico.
A investigação oceanográfica, a monitorização ambiental e meteorológica com recurso a tecnologia de ponta são outras missões que poderá realizar, estando dotado de sistemas digitais de alto desempenho e de inteligência artificial.
Pode recolher e analisar amostras de água e solo, a várias profundidades, terá laboratórios para trabalhar essas amostras e enviar em tempo real os dados recolhidos para o continente.
O D. João II não é um “faz-tudo” pequenino. Medirá 107,6 metros de comprimento, atingirá uma velocidade de 15,5 nós, e terá capacidade para embarcar “18 viaturas”, além de um heliporto.
Incluirá uma grua “que põe 30 toneladas a 14 metros”, permitindo autossuficiência, e um módulo para “encaixar”, quando for necessário, o ROV-Luso, um veículo de operação remota capaz de mergulhar até à profundidade de 6.000 metros. Da mesma maneira, pode operar uma câmara hiperbárica e um hospital.
Inclui duas zonas de armazenagem, que podem ser transformadas num espaço para acolher até 200 pessoas, com meios para a possibilidade de terem de terem de passar por um sistema de descontaminação.
Com uma guarnição de 48 marinheiros, o navio também disporá de alojamento (camarotes) para até 42 cientistas ou operadores de drones. Estes camarotes, também em módulos, podem ser transformados em zona de armazenagem.
Certo é que não é, para já, um navio combatente, ou não poderia ser financiado por fundos europeus. A bordo, não está previsto haver quaisquer sistemas de armas, e os drones que poderá alojar, aéreos, terrestres e submarinos, não serão armados.
No dia 23 de Setembro, partiram quatro militares portugueses para o estaleiro da Damen, na Roménia. São quatro de uma equipa de dez, que há um ano sentem a pressão mas também o entusiasmo de estar a construir de raiz um navio descrito como “disruptivo e inovador”.
Entrará ao serviço no último trimestre de 2026 e custará 132 milhões de euros (94,5 ME do PRR e 37,5 de comparticipação estatal).
Em sistema de rotação, os militares portugueses que estarão em Galati até final de 2026 têm como principal missão assegurar que tudo é feito segundo as especificidades e as necessidades da Marinha.
No seu discurso hoje na cerimónia do primeiro corte de chapa, o director comercial da Damen, assinalou por várias vezes que a Marinha portuguesa deixou “bem claro” quais as suas necessidades e especificidades, para além de elogiar o projeto e as potencialidades de uso.
Um trabalho de proximidade entre as equipas portuguesa e holandesa – na Damen estão 150 profissionais com este projeto – que começou logo no início, quando foi preciso decidir sobre detalhes operacionais mas também sobre outros que a Marinha portuguesa não dispensa, como por exemplo, a cuba para demolhar o bacalhau.
É que uma cozinha num navio da Marinha portuguesa, seja em terra ou no mar, exige determinados requisitos para a confeção de alimentos que noutros países e tradições não são tão valorizados.
Na Marinha, à segunda-feira come-se bacalhau, contextualizou Barbosa Rodrigues.
Ora, no primeiro desenho que a Damen apresentou, a cozinha tinha apenas um micro-ondas e uma panela de cozer arroz.
Restou alterar o desenho para incluir uma cuba com as dimensões consideradas necessárias para demolhar bacalhau para 100 pessoas.
Lusa