O médico epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, foi um dos investigadores pioneiros a documentar a transição nutricional no Brasil.
O cientista afirma, citado no The Guardian, que o aumento na oferta de alimentos, em especial os “criados artificialmente pela indústria para serem baratos, de sabor intenso e quase sempre irresistíveis” aceleraram o crescimento rápido da obesidade, globalmente.
Mais impostos e campanha semelhante à dos malefícios do tabaco
Os cientistas dividiram os alimentos e bebidas em quatro grupos: alimentos minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e alimentos ultraprocessados.
Monteiro argumenta que o impacto dos AUPs é grande e por isso deverá ser lançada uma campanha musculada para alertar o público sobre os perigos para a saúde. E compara os perigos da AUPs com os do tabaco e defende maior carga de impostos sobre estes alimentos.
“São necessárias campanhas de saúde pública, como as que foram realizadas contra o tabaco, para reduzir os perigos dos UPF”, insiste.“Essas campanhas incluiriam os perigos para a saúde do consumo de AUPs”, acrescenta.
Monteiro acentua que o “anúncios de AUPs também devem ser proibidos ou fortemente restringidos, e devem ser introduzidas advertências na frente das embalagens, semelhantes às usadas nos maços de cigarros”.
“Tanto o tabaco como os AUPs causam inúmeras doenças graves e mortalidade prematura; ambos são produzidos por empresas transnacionais que investem os enormes lucros que obtêm com os seus produtos atraentes/viciantes em estratégias de marketing agressivas e no lobby contra a regulamentação; e ambos são patogénicos (perigosos) por design, então a reformulação não é uma solução”.
O investigador propõe, por isso, que “as vendas de AUPs em escolas e unidades de saúde devem ser proibidas e ainda passar a haver uma tributação pesada nesses alimentos. As receitas geradas podem ser utilizadas para subsidiar alimentos frescos”.
Pandemia da obesidade
A expressão para alimentos ultraprocessados – AUPs – foi criada há 15 anos, por uma equipa de investigadores brasileiros liderado por Monteiro.
No longo percurso de estudos, os cientistas acreditam que os AUPs estão a substituir as dietas saudáveis “em todo o mundo”.
“Os AUPs estão a aumentar a sua participação e domínio nas dietas globais, apesar do risco que representam para a saúde em termos de aumentar o risco de múltiplas doenças crónicas”, sublinhou Monteiro, citado na publicação britânica The Guardian.
E acrescenta que “os AUPs estão a substituir os alimentos mais saudáveis e menos processados em todo o mundo, e também a causar uma deterioração na qualidade da dieta devido aos seus diversos atributos prejudiciais. Juntos, estes alimentos estão a impulsionar a pandemia da obesidade e de outras doenças crónicas relacionadas com a alimentação, como a diabetes”.
Cereais, barras de proteínas, refrigerantes, refeições prontas e fast food, são alguns alimentos que constam na lista dos AUP.
Se no Reino Unido e nos EUA, estudos recentes revelam que mais de metade da dieta média consiste agora em alimentos ultraprocessados, estima-se também que a nível global a tendência do consumo de AUPs aumente.
Só nos “EUA, cerca de um terço da população adulta com obesidade”, o que pode indicar que “estamos a caminhar para uma situação em que a doença vai se tornar o estado normal”, argumenta Monteiro.
Os investigadores alertam que as pessoas mais jovens, mais pobres ou provenientes de áreas desfavorecidas, estão a ter hábitos alimentares assentes numa dieta que inclui até 80 por cento de AUP, regularmente.
O rápido aumento do consumo global de AUPs estará diretamente ligados a “32 efeitos nocivos para a saúde, incluindo um maior risco de doenças cardíacas, cancro, diabetes tipo 2, problemas de saúde mental e morte precoce”, diz o estudo.