O consumo de tabaco em locais ao ar livre como campos de férias é proibido a partir de dia 1 de janeiro, com a entrada em vigor de uma lei apelidada de “tímida” e que alarga o conceito de fumar.
A nova lei foi aprovada pelo parlamento em junho passado e decorre de uma proposta do Governo, que os deputados modificaram. Com a entrada em vigor no primeiro dia do ano será proibido fumar em locais para menores, ainda que ao ar livre, como campos de férias ou parques infantis.
E a partir da mesma data será também proibido o uso de produtos equiparados a cigarros em locais públicos fechados, porque a legislação equipara aos cigarros tradicionais os cigarros eletrónicos ou novos produtos que produzem aerossóis, vapores, gases ou partículas inaláveis, ou mesmo tabaco de mascar ou inalar.
Com a ausência de legislação, até agora qualquer pessoa podia fumar um cigarro eletrónico ou de tabaco aquecido num hospital ou numa sala de aulas, e essa equiparação é um dos aspetos aplaudidos pela Confederação Portuguesa para a Prevenção do Tabagismo.
“A equivalência dos novos produtos ao tabaco em geral era uma das nossas preocupações. Isso [a equiparação] é uma conquista”, disse à Lusa o presidente da Confederação, Emanuel Esteves.
Mas, acrescentou, a lei é demasiado tímida e pouco ambiciosa. Podia “ir-se mais longe na política de preços” e “recuou-se” na proposta inicial do Governo de se proibir fumar nas imediações de locais como escolas e hospitais. “Devia haver uma área de proteção, para evitar que o fumo entre para os estabelecimentos e por uma questão de dar o exemplo”, disse.
Ainda nas palavras de Emanuel Esteves, se é positiva a comparticipação de medicamentos para deixar de fumar, prevista na nova lei, é negativo que se continue a fumar em determinados espaços fechados, ainda que em alguns períodos do dia, porque “devia ser proibido fumar em todos os locais de reunião”.
Emanuel Esteves, médico, alerta ainda para os novos produtos de tabaco, um deles o chamado tabaco aquecido que é vendido em Portugal desde 2015 pela Tabaqueira, da multinacional Philip Morris, apresentado pela empresa como contendo menos 90% a 95% de produtos nocivos.
Questionada pela Lusa sobre a nova lei, fonte oficial da Tabaqueira disse que a lei que entra em vigor na segunda-feira deu “passos tímidos” para reconhecer que os portugueses fumadores merecem ser informados sobre alternativas que apresentam menos riscos.
“É fundamental que os cerca de dois milhões de adultos que, entre nós, continuam a fumar saibam que da Alemanha aos Estados Unidos, que da Rússia ao Reino Unido, houve já instituições científicas independentes e credíveis a levarem a cabo uma avaliação substancial dos novos produtos de tabaco e nicotina sem combustão, como o de tabaco aquecido” (o chamado IQOS/HEETS, disse a fonte, acrescentando: “Todos os resultados até agora divulgados apontam para que estes novos produtos, não sendo inócuos, são melhores escolhas que os cigarros”.
A Tabaqueira refere-se a estudos de entidades como o Instituto Federal de Avaliação de Risco da Alemanha, que indica que o tabaco aquecido pode comportar menos riscos para a saúde dos fumadores, ou outro, deste mês, do Comité de Toxicologia do Reino Unido (independente e que aconselha o Governo), segundo o qual o tabaco que é aquecido e não queimado é menos prejudicial.
Num relatório para o Governo britânico, o painel de especialistas disse que as pessoas que utilizam esse novo produto foram expostas a entre 50% e 90% menos produtos químicos nocivos, em comparação com os cigarros tradicionais, embora ainda produza compostos potencialmente prejudiciais.
“Uma coisa é ser menos agressivo, outra é ser inofensivo”, alerta a propósito Emanuel Esteves, que teme que se deturpe a “eventual (porque ainda não provada) menos agressividade” e que se fique com a ideia de que se pode fumar esse produto.
E avisou: “Tem de haver cuidado em marcar claramente aquilo que é menos prejudicial e o que é inofensivo. Haver redução das substâncias cancerígenas não é eliminação dessas substâncias”.
Enquanto a multinacional que vende o tabaco aquecido procura agora nos Estados Unidos que o produto seja anunciado como menos nocivo, a fonte da empresa em Portugal ouvida pela Lusa frisa que é essencial que a lei diferencie produtos em função do risco e permita que essa informação chegue aos fumadores de forma clara, fazendo-se “menção ao risco reduzido”.
Aliás, diz ainda, Portugal com esta nova lei “não revelou a mesma abertura” de outros países “em abraçar e encorajar a inovação e a ciência ao serviço da redução do risco em tabaco”.
Ainda que assim seja, contrapõe Emanuel Esteves, esses produtos continuam a ter nicotina, por si só um “agente de perturbações ao nível do sistema nervoso central e cardiovascular”. E conclui: “é como escolher cair de um 100.º andar ou de um 10.º”.
A lei é a partir de agora um pouco mais restritiva, Emanuel Esteves reconhece-o, mas diz que Portugal devia dar passos maiores.
Afirmando que “há um clima social favorável” e que se podia ter ido mais longe, Emanuel Esteves deixa uma dúvida. Ou uma acusação. “A ideia que temos é que há interesses comerciais que podem dificultar o agilizar de mais medidas”.
LUSA