Segundo o acórdão desta quinta-feira relativamente ao recurso do Ministério Público (MP), que determinou a ida a julgamento de 22 arguidos – entre os quais o ex-primeiro-ministro José Sócrates, pelos crimes de corrupção, branqueamento e fraude fiscal -, o TRL entendeu que Ivo Rosa errou ao não apreciar globalmente a prova, ao extravasar o âmbito da ação de um juiz de instrução e ao valorizar as declarações dos arguidos para afastar a existência de indícios.
“Estas ilações do Sr. Juiz denotam uma certa ‘candura/ingenuidade’ na apreciação dos indícios, pois é desde logo evidente que, tratando-se de atos ilícitos, os mesmos não vêm escritos em documentos e, de forma usual, as testemunhas indicadas pelos arguidos não vêm trazer uma versão diferente da destes. O Juiz tem que apreciar a prova na sua globalidade”, defendeu o coletivo de juízas que assinou a decisão.
Para as desembargadoras Raquel Lima, Micaela Rodrigues e Madalena Caldeira – que estão colocadas na 9.ª Secção do TRL, tal como Ivo Rosa -, o então juiz de instrução não podia afastar a existência de indícios só por haver testemunhas ligadas aos arguidos a refutar a acusação.
“Não conseguimos compreender esta análise dos indícios”, assinalaram, continuando: “Parece esquecer-se (…) que não haverá testemunha alguma (pelo menos não houve até esta data) que venha relatar e confirmar, de forma direta, os factos que constam da acusação. Não haverá, igualmente, nenhum documento de onde resulte essa assunção dos factos”.
Sublinhando terem analisado “do todo para a parte”, ao contrário de Ivo Rosa, as juízas acrescentaram: “Obviamente que não vamos encontrar prova direta dos factos – não se percebe o espanto do Sr. Juiz de instrução quando diz que nada consta nos extratos bancários do arguido Sócrates. Os indícios vêm da análise de outras provas”.
Já sobre o crime de corrupção alegadamente envolvendo José Sócrates e o ex-presidente do Grupo Espírito Santo, Ricardo Salgado, a decisão da Relação de Lisboa não poupa a linha de raciocínio seguida pelo então juiz de instrução ao se suportar nos encontros entre ambos que constavam das agendas.
“Tendo em consideração o crime imputado aos arguidos, analisar as agendas da altura em que o arguido Sócrates era primeiro-ministro para concluir, quando e quantas vezes, houve encontro entre os dois arguidos é risível. A corrupção não costuma ter hora marcada. Parece-nos óbvio que os atos de corrupção não costumam estar marcados em agenda”, vincaram.
Além de revogarem inúmeras nulidades decretadas em 2021 pelo magistrado, como anulações de prova, as desembargadoras defenderam que Ivo Rosa fez uma “análise exaustiva da prova”, mas que “a certa altura se afastou do objetivo da instrução e realizou diligências típicas de um verdadeiro julgamento”, indo além das suas funções e competências.
“Na fase de instrução não se julga a causa, só se verifica se as provas recolhidas justificam o seu julgamento. À fase de julgamento impõe-se um juízo de certeza (…), à fase da instrução basta um juízo de probabilidade”, resumiram.
A decisão do TRL recuperou a maioria a acusação da Operação Marquês e determinou a ida a julgamento de 22 arguidos por 118 crimes económico-financeiros.
Além de José Sócrates, vão ainda ser julgados Ricardo Salgado, os ex-gestores da Portugal Telecom Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o ex-administrador do grupo Lena Joaquim Barroca, o empresário Helder Bataglia e o ex-administrador do empreendimento Vale do Lobo Rui Horta e Costa, entre outros.
Lusa