A discussão deste projeto de Lei está agendada para a primeira sessão parlamentar ordinária deste mês, que vai decorrer de 12 a 14 de abril, conforme ordem de trabalhos consultada hoje pela Lusa.
O parlamento cabo-verdiano tinha devolvido esta proposta à deputada proponente, Mircéa Delgado, em fevereiro, após parecer negativo da Direção do Património Imaterial.
De acordo com o parecer anterior da Comissão Especializada de Educação, Cultura, Saúde, Juventude, Desporto e Questões Sociais da Assembleia Nacional de Cabo Verde, o projeto de lei tinha sido devolvido à deputada proponente, para eventual reformulação e "a apresentação de um projeto de lei que institua o Dia Nacional da Língua portuguesa, como acontece noutros países lusófonos”, lê-se.
A comissão entendeu então não emitir parecer favorável ao projeto daquela deputada, face ao parecer negativo do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas, através da Direção do Património Imaterial, e “na ausência de um parecer externo solicitado ao instituto Camões para fundamentar e fornecer mais elementos de análise”.
“No caso de Cabo Verde, não sendo a língua portuguesa uma criação nacional, implica saber qual a posição de Portugal enquanto país de origem que (…) não tem classificado a sua língua materna como património”, lê-se no parecer, que cita um dos argumentos da Direção do Património Imaterial, que acrescenta que “não há registo de línguas não nativas classificadas como património culturais nacionais”.
“A língua enquanto prática ancestral e tradição cultural, reflexo de especificidade local, é condição de existência de outros bens, não constituindo neste caso bem a ser classificado como património cultural imaterial, salvaguardando as línguas nativas, em perigo e que careçam de proteção, o que não é o caso”, alega ainda aquela direção, citada no parecer da mesma comissão.
O projeto de lei pretende classificar a língua portuguesa como património cultural imaterial, por ser “parte integrante e estruturante” da história do arquipélago.
“A língua portuguesa é parte integrante e estruturante da história, da sociedade e da identidade da nação cabo-verdiana”, lê-se na proposta apresentada à Assembleia Nacional pela deputada Mircéa Delgado.
O ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, Abraão Vicente, recordou entretanto, a propósito deste caso, que “o poder de classificar qualquer bem ou item como património cultural” é daquele ministério, através do Instituto do Património Cultural (IPC).
“A lei-quadro é clara. O poder de classificar qualquer bem ou item como património cultural é do Ministério da Cultura e da instituição que tem essa competência que é o IPC. Nem os deputados nacionais, nem nenhuma outra instituição pode entrar na linha de ação do IPC”, afirmou.
“Se a Assembleia Nacional quiser classificar o português como património imaterial terá de mudar a lei e avocar o poder que agora está no IPC de classificar, de inventariar e criar todo o processo necessário para ter uma língua como património imaterial nacional”, acrescentou Abraão Vicente.
No texto da proposta agora devolvida é referido que o “português foi a primeira língua que ecoou no solo das ilhas (1460), trazido pelos marinheiros e missionários portugueses no seu processo das descobertas e da expansão marítima”, sendo “uma das línguas mais faladas do mundo” e língua oficial dos nove países que integram a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP).
“O nosso crioulo, língua cabo-verdiana, origina-se na língua portuguesa e tem nela a sua matriz de organização quer semântica, quer gramatical e elocutória, que com o aumento da escolarização tem, cada vez mais, aproximado os falantes da língua cabo-verdiana do português falado e escrito, atualmente”, acrescenta a proposta, que tem também em Mircéa Delgado a única subscritora, conforme prevê o regimento da Assembleia Nacional.
Recorda igualmente que “todo o documental escrito”, quer seja “histórico, quer seja económico, quer seja social, quer ainda literário”, encontra-se “exarado e versado quase completamente em língua portuguesa” e que o “português é a língua de comunicação internacional do Estado de Cabo Verde, afirmando-se assim como o seu elo mais forte e a razão pilar da sua existência enquanto comunidade”.
O crioulo cabo-verdiano é a língua materna em Cabo Verde, embora com variantes entre algumas ilhas, e nos últimos anos intensificou-se o movimento da sociedade civil a pressionar a sua elevação a língua oficial.
O artigo 9.º da Constituição da República de Cabo Verde, de 1992, define apenas o português como língua oficial, mas também prevê que o Estado deve promover "as condições para a oficialização da língua materna cabo-verdiana, em paridade com a língua portuguesa".
Um grupo de quase 200 personalidades cabo-verdianas lançou em 2022 uma petição também nesse sentido e pediu apoio do chefe de Estado, José Maria Neves, para a promoção da língua, anunciando que pretende criar uma associação em prol do crioulo, não só para a sua oficialização como língua nacional, como para ensino e padronização.
Lusa